Capítulo XXX

A princípio, nada vi. Meus olhos, desacostumados com a luz, fecharam-se bruscamente. Quando consegui reabri-los, fiquei mais estupefato do que maravilhado.

– O mar! – gritei.

– Sim – respondeu meu tio –, o mar Lidenbrock, e agrada-me acreditar que não disputarei com nenhum navegador a honra de tê-lo descoberto e o direito de dar-lhe meu nome.

Um vasto lençol de água, o começo de um lago ou de um oceano, estendia-se para além dos limites da visão. Amplamente chanfradas, as margens ofereciam às últimas ondulações das ondas, uma areia fina, dourada, semeada de conchinhas, em que viveram os primeiros seres da Criação. As ondas quebravam-se com aquele murmúrio sonoro típico dos meios fechados e imensos. Uma leve espuma esvoaçava com o sopro de um vento moderado, e alguns respingos alcançavam-me o rosto. Naquela praia levemente inclinada, a mais ou menos cem toesas dos limites das ondas, vinham morrer os contrafortes de enormes rochedos, que se erguiam abrindo-se a uma altura incomensurável. Alguns, rasgando a margem com sua aresta aguda, formavam cabos e promontórios roídos pela ressaca. Mais além, sua massa formava um perfil claramente desenhado sobre o fundo nebuloso do horizonte.

Fonte: http://jv.gilead.org.il/rpaul/

Era um verdadeiro oceano, com o contorno caprichoso das costas terrestres, mas deserto e de aspecto terrivelmente selvagem. Se meus olhos podiam acompanhar aquele vasto mar até bem longe, era porque uma luz “especial” iluminava seus menores detalhes. Não a luz do sol com seus feixes resplandecentes e a esplêndida irradiação de seus raios, nem o clarão pálido e vago do astro das noites, que não passa de um reflexo sem calor. Não. O poder de iluminação dessa luz, sua difusão bruxuleante, sua brancura clara e seca, sua temperatura pouco elevada, seu brilho, na realidade superior ao da lua, acusavam com clareza uma origem elétrica. Aquela caverna capaz de conter um oceano era preenchida como por uma aurora boreal ou um fenômeno cósmico contínuo.

A abóbada suspensa acima de minha cabeça, o céu, de certa forma, parecia constituído de grandes nuvens, vapores móveis e cambiantes, que, sob o efeito da condensação, deviam, em certos dias, resolver-se em chuvas torrenciais. Eu tenderia a acreditar que sob tão forte pressão da atmosfera a evaporação da água era impraticável, e, no entanto, por um motivo físico que não sabia explicar havia grandes aglomerações de nuvens no ar. Naquele momento, “o tempo estava bom”. As camadas elétricas produziam surpreendentes jogos de luz em nuvens muito altas. Sombras vivas desenhavam-se em suas volutas inferiores, e, com frequência, um raio esgueirava-se até nós com uma intensidade notável entre duas camadas separadas. Porém, em suma, não era o sol, pois não havia calor junto à luz. O efeito era triste, soberanamente melancólico. Em vez de um firmamento resplandecente de estrelas, sentia sobre aquelas nuvens uma abóbada de granito que me esmagava com todo o seu peso, e aquele espaço não bastaria, por mais imenso que fosse, ao passeio do satélite menos ambicioso.

Lembrei-me então da teoria de um capitão inglês que assimilava a Terra a uma ampla esfera oca, no interior da qual o ar se mantinha luminoso em decorrência de sua pressão, enquanto dois astros, Plutão e Proserpina, nele traçavam suas órbitas misteriosas. Teria razão?

Estávamos realmente aprisionados numa enorme escavação. Não era possível avaliar sua largura, já que as margens abriam-se a perder de vista, nem seu comprimento, pois o olhar era logo detido por uma linha de horizonte um tanto indecisa. Quanto à sua altura, podia ultrapassar muitas léguas. Não dava para ver onde aquela abóbada se apoiava nos contrafortes de granito; mas havia um grande aglomerado de nuvens suspenso na atmosfera, cuja elevação podia ser estimada em duas mil toesas, altitude superior à dos vapores terrestres, sem dúvida devido à densidade considerável do ar.

É claro que o termo “caverna” não descreve exatamente aquele ambiente imenso. Nenhuma palavra da língua humana é suficiente para quem se aventura nos abismos do globo. Além disso, não sabia por qual fato geológico explicar a existência de tal escavação. Será que fora produzida pelo resfriamento do globo? Conhecia bem algumas cavernas célebres por relatos de viajantes, mas nenhuma apresentava tais dimensões.

Se a gruta de Guachara, na Colômbia, visitada por Humboldt, não revelara o segredo de sua profundidade ao sábio, que a percorreu por uma extensão de dois mil e quinhentos pés, é provável que ela não se prolongasse muito mais que isso. A imensa caverna de Mammouth, no Kentucky, tinha realmente proporções gigantescas, pois sua abóbada erguia-se quinhentos pés acima de um lago insondável, e muitos viajantes percorreram-na por mais de dez léguas sem chegar a seus limites. Mas o que eram aquelas cavidades perto da que eu admirava então, com seu céu de vapores, suas irradiações elétricas e um vasto mar encerrado em seus flancos? Minha imaginação sentia-se impotente diante daquela imensidão.

Contemplava em silêncio todas aquelas maravilhas. Faltavam-me palavras para transmitir minhas sensações. Acreditava estar assistindo em algum planeta longínquo, Urano ou Netuno, a fenômenos dos quais minha natureza terrestre não tinha consciência. Seriam necessárias palavras novas para novas sensações, mas minha imaginação não era capaz de fornecê-las. Olhava, pensava, admirava com um estupor misturado a uma certa dose de medo.

O imprevisto daquele espetáculo fizera com que as cores da saúde voltassem a meu rosto; estava sendo submetido a um tratamento de surpresa e curado por uma nova terapêutica. Além disso, a vivacidade de um ar muito denso reanimava-me, fornecendo mais oxigênio a meus pulmões. Não é difícil imaginar que, após um aprisionamento de quarenta e sete dias numa galeria estreita, era um prazer imenso aspirar aquela brisa carregada de úmidas emanações salinas.

Não tinha por que me arrepender de ter abandonado minha gruta obscura. Meu tio, já acostumado àquelas maravilhas, não se surpreendia mais.

– Você sente que tem forças para passear um pouco? – perguntou-me.

– Claro, nada mais agradável – respondi.

– Então pegue no meu braço e sigamos as sinuosidades da costa, Áxel.

Aceitei com presteza e começamos a caminhar pelas margens daquele novo oceano. À esquerda, rochedos abruptos, uns sobre os outros, formavam um amontoado titanesco de efeito prodigioso. De seus flancos desciam inúmeras cascatas que formavam lençóis límpidos e retumbantes.

Saltando de uma rocha para outra, alguns vapores leves assinalavam o local de fontes quentes, e riachos corriam suavemente em direção à bacia comum, procurando, nas vertentes, a ocasião de murmurar de forma mais agradável. Dentre os riachos, reconheci nosso fiel companheiro de viagem, Hans Bach, que acabara de se perder tranquilamente no mar, como se nunca tivesse feito outra coisa desde o começo do mundo.

– Sentiremos saudades dele! – suspirei.

– Bah! – respondeu o professor. – Tanto faz ele como outro!

Achei sua réplica um tanto ingrata.

Naquele momento, contudo, um espetáculo inesperado chamou minha atenção. A quinhentos passos, num meandro de um promontório elevado, apareceu uma floresta alta, cerrada e densa. Era formada por árvores de tamanho médio, semelhantes a guarda-sóis regulares, contornos claros e geométricos; as correntes atmosféricas pareciam não provocar qualquer efeito em sua folhagem, que, em meio aos sopros, permanecia imóvel como um maciço de cedros petrificados. Apressei o passo, não conseguia encontrar um nome para aquelas essências singulares. Não se situavam entre as duzentas mil espécies vegetais conhecidas até então. Seria preciso atribuir-lhes um lugar especial na flora das vegetações lacustres? Não. Quando chegamos à sua sombra, minha surpresa não foi maior do que minha admiração. Estava diante de produtos da terra, mas de tamanho gigantesco. Meu tio logo chamou-os pelo seu nome.

– Não passa de uma floresta de cogumelos – disse.

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Estava certo. Imaginem o desenvolvimento dessas plantas típicas de ambientes quentes e úmidos. Sabia que o Lycoperdon giganteum atinge, segundo Bulliard, oitocentos a novecentos pés de circunferência; aqui, porém, tratava-se de cogumelos brancos de trinta a quarenta pés de altura, com uma cúpula de diâmetro igual. Havia milhares deles.

A luz não conseguia varar sua sombra espessa, e a mais completa escuridão reinava sob aqueles domos justapostos como os tetos redondos de uma aldeia africana. Quis prosseguir. Um frio mortal descia daquelas abóbadas carnudas. Erramos por cerca de meia hora entre aquelas trevas úmidas, e foi com um verdadeiro sentimento de bem-estar que voltei à beira do mar.

A vegetação daquela região subterrânea não se limitava àqueles cogumelos. Mais adiante, erguiam-se em grupos um grande número de outras árvores de folhagem descolorida. Eram fáceis de reconhecer: não passavam de humildes arbustos da terra de dimensões fenomenais, licopódios de cem pés de altura, sigilariáceas gigantes, fetos arborescentes, altos como os pinheiros das grandes latitudes, lepidodendráceas com ramos cilíndricos bifurcados, arrematadas por folhas longas e eriçadas, de pelos ásperos, como monstruosas plantas de folhas espessas e carnudas.

– Surpreendente, magnífico, esplêndido! – exclamou meu tio. – Eis toda a flora do segundo período do mundo, a época da transição. Eis as humildes plantas de nossos jardins, que eram árvores nos primeiros séculos do mundo! Olhe, Áxel, admire!

Nunca um botânico esteve diante de tamanha festa.

– O senhor tem razão, meu tio. A Providência parece ter tido vontade de conservar nesta estufa imensa as plantas antediluvianas, reconstruídas com tanta precisão pelos sábios.

– Você está certo, filho, é uma estufa; mas seria ainda melhor se acrescentasse que talvez se trate de um museu de plantas raras.

– Plantas raras!

– Com certeza. Veja essa poeira que pisamos, as ossadas espalhadas pelo chão.

– Ossadas! – exclamei. – Claro, ossadas de animais antediluvianos!

Precipitara-me para aqueles restos seculares feitos de uma substância mineral indestrutível. Denominei sem hesitar aqueles ossos gigantescos que pareciam troncos de árvore ressecados.

– Olhe o maxilar inferior do mastodonte – eu disse. – Os molares do dinotério, um fêmur que só pode ter pertencido ao maior de todos esses animais, o megatério. Ora, é exatamente um museu de peças raras, pois essas ossadas com certeza não foram transportadas até aqui por um cataclismo. Os animais aos quais pertencem viveram às margens deste mar subterrâneo, à sombra destas plantas arborescentes. Veja só, há esqueletos completos. E, no entanto...

– No entanto? – disse meu tio.

– Não entendo a presença desses quadrúpedes nesta caverna de granito.

– Por quê?

– Porque a vida animal só começou a existir na Terra na era secundária, quando o terreno sedimentar foi formado pelos aluviões e substituiu as rochas incandescentes da era primária.

– É bem fácil esclarecer a sua dúvida, Áxel, este terreno aqui é sedimentar.

– Como! A essa profundidade da superfície da terra!

– É possível explicar o fato geologicamente. Num determinado período, a Terra era formada apenas por uma crosta elástica, sujeita a movimentos alternados de cima para baixo em virtude das leis de atração. Provavelmente ocorreram desmoronamentos do solo, sendo que uma parte dos terrenos sedimentares foi arrastada para o fundo dos abismos que se abriram de repente.

– Deve ser isso mesmo. Mas, se essas regiões subterrâneas foram habitadas por animais antediluvianos, quem nos garante que um desses monstros não está errando ainda por estas florestas escuras ou atrás destas rochas escarpadas?

Esquadrinhei, não sem temor, os vários pontos do horizonte; mas não havia qualquer ser vivo naquelas costas desertas. Estava um pouco cansado. Fui sentar-me então na ponta de um promontório, sob o qual as ondas se quebravam ruidosamente. Dali, meus olhos abraçavam toda aquela baía formada por uma chanfradura da costa. Ao fundo, um portinho abrigado por duas rochas piramidais. Suas águas calmas dormiam, protegidas do vento. Receberiam com conforto um brique ou duas ou três escunas. Quase esperava avistar algum navio desfraldando suas velas e alcançando o largo sob a brisa do sul.

Mas aquela ilusão dissipou-se com rapidez. Éramos realmente as únicas criaturas vivas naquele mundo subterrâneo. Às vezes, quando o vento se acalmava, descia um silêncio mais profundo que o silêncio do deserto sobre as rochas áridas que pesavam na superfície do oceano. Tentava então varar as brumas distantes, rasgar a cortina do fundo misterioso do horizonte. Quais as perguntas que me subiam aos lábios? Onde terminava aquele mar?

Para onde levava? Será que um dia abordaríamos as margens opostas? Meu tio não tinha a menor dúvida a esse respeito. Eu desejava e ao mesmo tempo temia isso. Após uma hora de contemplação do maravilhoso espetáculo, tornamos ao caminho da praia para voltar à gruta. Adormeci profundamente sob o domínio dos pensamentos mais estranhos.

Capítulo XXIX

Quando voltei a mim, estava deitado em espessos cobertores na penumbra. Meu tio velava, espreitando um resto de vida em meu rosto. Ao primeiro suspiro, pegou minha mão; quando abri os olhos, deu um grito de alegria.

– Está vivo! Está vivo! – gritou.

– Sim – respondi com voz fraca.

– Meu filho – disse meu tio, apertando-me contra o peito – você está salvo!

Fiquei muito tocado pelo tom daquelas palavras e mais ainda com os cuidados com que me prodigou. Para o professor, tal efusão só poderia ser provocada por grande provação. Naquele momento, chegou Hans. Viu minha mão na de meu tio; ouso afirmar que seus olhos exprimiram uma viva alegria.

– God dag – disse.

– Bom dia, Hans, bom dia – murmurei. – E agora, tio, diga-me onde estamos neste momento.

– Amanhã, Áxel, amanhã. Hoje você ainda está muito fraco; não é bom se mexer por causa das compressas que coloquei em sua cabeça; durma, meu filho, e amanhã prometo contar-lhe tudo.

– Mas ao menos – insisti –, diga-me o dia e a hora.

– São onze horas da noite de domingo, 9 de agosto, e eu o proíbo de fazer perguntas até o dia dez do presente mês.

Eu estava realmente muito fraco, e meus olhos fecharam-se involuntariamente. Precisava de uma noite de descanso. Deixei-me levar pelo torpor pensando que o meu isolamento durara quatro longos dias.

Quando acordei no dia seguinte, olhei ao meu redor. Meu leito, feito com todos os cobertores da viagem, fora instalado numa gruta encantadora, enfeitada de magníficas estalagmites, o solo recoberto de areia fina. Nela reinava a penumbra. Não havia qualquer tocha ou lanterna acesa, mas alguns clarões inexplicáveis iluminavam-na de fora por uma abertura estreita. Ouvi também um murmúrio vago e indefinido, semelhante ao gemido das ondas que se quebram na praia, e às vezes o assobio da brisa.

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Perguntava-me se estava bem acordado, se ainda estava sonhando, se meu cérebro, rachado na queda, não estaria ouvindo sons imaginários. Mas nem meus olhos nem meus ouvidos poderiam enganar-se a esse ponto.

“É um clarão do dia”, pensei, “esgueirando-se pela fenda das rochas! São murmúrios de ondas! A brisa está soprando! Será que me engano ou voltamos à superfície da terra? Será que meu tio renunciou à expedição ou a concluiu com sucesso? Fazia todas essas perguntas irrespondíveis para mim mesmo quando o professor entrou.

– Bom dia, Áxel! – saudou alegremente. – Aposto que você está se sentindo bem.

– Estou muito bem – disse, erguendo-me nas cobertas.

– Tinha certeza de que sim, pois você dormiu com muita tranquilidade. Eu e Hans nos revezávamos para velá-lo e notamos que você estava curando-se gradualmente.

– De fato, sinto-me recuperado e, para provar, honrarei o desjejum que vocês não deixarão de me oferecer!

– Você vai comer, filho! Você não tem mais febre. Hans esfregou seus ferimentos com um unguento secreto islandês, que não sei do que é feito, e eles cicatrizaram maravilhosamente. Nosso caçador é um homem e tanto!

Enquanto falava, meu tio preparava alguns alimentos, que eu devorava apesar de suas recomendações. E, comendo, atordoava-o com perguntas que ele se apressou em responder. Soube então que minha queda providencial levara-me precisamente à extremidade de uma galeria quase perpendicular; como chegara junto com uma torrente de pedras, entre as quais a menor bastava para esmagar-me, a conclusão era de que uma parte do maciço escorregara comigo. Aquele aterrorizante veículo transportara-me assim até os braços de meu tio, onde caí, ensanguentado, desmaiado.

– Realmente – disse-me – é surpreendente que você não tenha morrido mil vezes. Mas por Deus, não nos separemos mais, pois nos arriscamos a nunca mais rever-nos.

“Não nos separemos mais!” Então a viagem não terminara? Arregalei os olhos, surpreso, o que provocou imediatamente a pergunta:

– O que há com você, Áxel?

– Tenho de fazer-lhe uma pergunta. O senhor está dizendo que eu estou são e salvo?

– Com certeza.

– Todos os meus membros intactos?

– Exatamente.

– E minha cabeça?

– Exceto por algumas contusões, ela continua exatamente em seu lugar, sobre os ombros.

– Bem, temo que a minha razão não esteja em forma.

– Fora de forma?

– Sim, não voltamos à superfície do globo?

– Claro que não!

– Então, devo estar mesmo louco, pois estou vendo a luz do dia e ouvindo o ruído do vento que sopra e do mar que se quebra.

– Ah, é isso?

– Daria para o senhor me explicar do que se trata?

– Não dá para lhe explicar, pois é inexplicável. Mas você verá e compreenderá que a ciência geológica ainda não deu sua última palavra.

– Vamos sair, então – exclamei, levantando-me bruscamente.

– Não, Áxel, não, o ar livre pode lhe fazer mal.

– O ar livre?

– O vento está muito forte. Não quero que se exponha dessa forma.

– Mas garanto que estou ótimo.

– Um pouco de paciência, meu filho. Uma recaída pode causar transtornos para nós, e não devemos perder tempo, pois a travessia pode ser longa.

– Travessia?

– Sim, descanse hoje ainda, embarcaremos amanhã.

– Embarcar?

Essa palavra provocou-me um sobressalto. O quê? Embarcar? Então tínhamos um rio, um lago, um mar à nossa disposição? Havia uma embarcação em algum porto interior? Minha curiosidade chegou ao auge. Meu tio tentou inutilmente conter-me. Quando viu que minha impaciência me faria mais mal do que a satisfação dos meus desejos, cedeu.

Vesti-me prontamente. Para o cúmulo da precaução, enrolei-me num dos cobertores e saí da gruta.

Capítulo XXVIII

Quando voltei a mim, meu rosto estava molhado, mas molhado de lágrimas. Não sei dizer por quanto tempo fiquei desmaiado. Não tinha mais qualquer meio de ter noção do tempo. Nunca houve solidão tão grande quanto a minha, nunca um abandono tão completo! Perdera muito sangue com a minha queda. Sentia-me encharcado! Ah, como lamentava não estar morto e ainda ter tempo pela frente! Não queria mais pensar. Afugentava qualquer ideia e, vencido pela dor, rolei para a parede oposta.

Já sentia-me desmaiar novamente, ou talvez até morrer, quando um barulho violento chamou-me a atenção. Parecia o estrondo prolongado de um trovão, e ouvi as ondas sonoras perdendo-se pouco a pouco nas longínquas profundezas do abismo. De onde vinha o barulho? Sem dúvida de algum fenômeno no centro do maciço terrestre! A explosão de um gás ou de alguma poderosa base do globo. Continuei prestando atenção. Queria saber se o ruído se repetiria. Passaram-se quinze minutos. O silêncio reinava na galeria. Nem ouvia mais as batidas de meu coração.

De repente, meu ouvido, colado à muralha por acaso, acreditou ter surpreendido palavras vagas. Inatingíveis, distantes. Estremeci. “É uma alucinação”, pensei. Mas não. Prestando mais atenção, ouvi realmente um murmúrio de vozes. Minha fraqueza, porém, não permitiu que eu entendesse o que diziam. Contudo, havia gente falando, tinha certeza disso.

Por um momento, temi que aquelas palavras não passassem das minhas, transmitidas por um eco. Talvez eu tivesse gritado inconscientemente. Comprimi os lábios e colei novamente o ouvido à parede.

“Há realmente gente falando!”

Arrastando-me alguns pés ao longo da muralha, ouvi claramente. Consegui até captar algumas palavras incertas, estranhas, incompreensíveis. Chegavam a mim como se estivessem sendo pronunciadas em voz baixa, de certa forma, murmuradas. O termo forlorcid foi repetido várias vezes num tom de dor. O que significava? Quem o pronunciava? É claro que meu tio ou Hans. Ora, se eu os ouvia, eles conseguiriam ouvir-me!

– Socorro! – gritei com toda a força. – Socorro!

Prestei toda a atenção, espreitei uma resposta, um grito, um suspiro na escuridão. Nada. Passaram-se alguns minutos. Minha cabeça fervilhava de ideias. Achei que a minha voz esmaecida não conseguia alcançar meus companheiros. “Só podem ser eles! “, repetia. “Não deve haver outros homens trinta léguas abaixo da superfície da terra”.

Voltei a prestar atenção. Escorregando meu ouvido pela parede, encontrei um ponto matemático onde as vozes pareciam atingir o máximo de intensidade. Mais uma vez, ouvi o termo forlorcid; depois aquele ribombar que me arrancara do torpor.

– Não – disse. – Não estou ouvindo essas vozes pelo maciço. A parede é de granito e nem a maior detonação conseguiria atravessá-la. O barulho vem pela própria galeria! Deve haver algum efeito acústico bastante singular!

Tentei escutar novamente e dessa vez, sim, ouvi claramente meu nome percorrer o espaço. Era meu tio quem o pronunciava! Conversava com o guia, e a palavra forlorcid era uma palavra dinamarquesa!

Então, entendi tudo. Para que me escutassem, eu deveria falar ao longo daquela muralha, que serviria para conduzir minha voz como o fio conduz a eletricidade.

Não podia perder tempo. Bastava que meus companheiros se afastassem um pouco para que o fenômeno de acústica fosse destruído. Então aproximei-me da muralha e pronunciei da forma mais clara possível o seguinte:

– Meu tio Lidenbrock!
Esperei na maior ansiedade. O som não era extremamente rápido ali. A densidade das camadas de ar não aumentava sua velocidade, só aumentava sua intensidade. Alguns segundos, séculos, passaram-se antes que estas palavras chegassem a mim:
– Áxel! Áxel! É você?

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– Sim, sim! – respondi.

– Meu filho, onde está você?

– Perdido na maior escuridão.

– Mas, e a sua lanterna?

– Apagou.

– E o riacho?

– Desapareceu.

– Coragem, meu pobre Áxel, coragem!

– Espere um pouco, estou exausto! Não tenho mais forças para responder! Mas fale comigo!

– Coragem! – tornou meu tio. – Não fale, escute-me. Procuramos por você subindo e descendo a galeria. Impossível encontrá-lo. Ah! Chorei muito por você, meu filho! Finalmente, achando que estava no curso do Hans Bach tornamos a descer dando tiros. Agora, apesar de nossas vozes poderem encontrar-se, não podemos tocar-nos. Mas não se desespere, Áxel! Já é alguma coisa podermos ouvir-nos!

Enquanto isso, eu refletira. Voltava a sentir uma certa esperança, ainda vaga. Em primeiro lugar, fazia questão de saber uma coisa. Aproximei meus lábios da muralha e disse:

– Tio?

– Sim, filho – responderam-me pouco depois.

– Antes de mais nada, temos de saber a distância que nos separa.

– Isso é fácil.

– O senhor está com o cronômetro?

– Sim.

– Muito bem. Pronuncie meu nome e marque com precisão o momento em que o disse. Vou repeti-lo assim que me alcançar, e o senhor também deverá observar o momento em que minha resposta chegar.

– Bem, e a metade do tempo entre minha pergunta e sua resposta indicará o tempo que a minha voz leva para chegar a você.

– Exatamente, meu tio. – Está pronto?

– Sim.

– Muito bem, preste atenção, vou pronunciar seu nome.

Colei meu ouvido à parede e, assim que a palavra “Áxel” chegou a mim, respondi imediatamente “Áxel” e aguardei.

– Quarenta segundos – disse então meu tio. – Quarenta segundos entre as duas palavras; portanto, o som leva vinte segundos para subir. Ora, a mil e vinte pés por segundo, dá vinte mil e quatrocentos pés, ou uma légua e meia e um oitavo.

– Uma légua e meia! – murmurei.

– Ora, é fácil transpô-la!

– Mas devo subir ou descer?

– Descer, e pelo seguinte motivo. Chegamos a um espaço amplo, onde desembocam muitas galerias. Aquela em que você entrou não pode deixar de dar aqui, pois parece que todas essas fendas, essas fraturas do globo dispersam-se da imensa caverna em que estamos. Levante-se e comece a andar! Caminhe, arraste-se, se preciso, escorregue pelas vertentes e com certeza encontrará nossos braços abertos para recebê-lo ao final do caminho. Em frente, meu filho, em frente!

Essas palavras animaram-me.

– Adeus, meu tio – exclamei. – Estou indo. Assim que eu deixar este lugar, nossas vozes não poderão entrar mais em contato! Adeus, então!

– Até logo, Áxel, até logo!

Foram as últimas palavras que ouvi. A surpreendente conversa através da massa terrestre, a mais de uma légua de distância, terminou com essas palavras de esperança. Rezei para agradecer a Deus por ter me conduzido talvez ao único ponto onde a voz de meus companheiros podia me alcançar naquelas imensidões escuras.

O fabuloso efeito acústico era facilmente explicável pelas leis da física. Provinha da forma do corredor e da condutibilidade da rocha. Há muitos exemplos dessa propagação de sons não perceptíveis nos espaços intermediários. Lembro-me de que o fenômeno foi observado em vários lugares, entre outros, na galeria interna da cúpula de Saint Paul's em Londres, e principalmente naquelas curiosas cavernas da Sicília, aquelas latomias localizadas perto de Siracusa, a mais maravilhosa do gênero, conhecida pelo nome de Orelha de Dionísio.

Lembrei-me de tudo isso e percebi com clareza que, se a voz do meu tio chegava até mim, é porque não havia qualquer obstáculo entre nós. Seguindo o caminho do som, chegaria necessariamente como ele, se as forças não me abandonassem.

Levantei-me. Mais me arrastava do que caminhava. A inclinação era bastante íngreme. Deixei-me escorregar. Logo a velocidade de minha descida aumentou numa proporção assustadora e ameaçou transformar-se numa queda. Não tinha mais forças para refreá-la. De repente, o solo fugiu sob meus pés. Senti que rolava e batia nas asperezas da galeria vertical, um verdadeiro poço. Minha cabeça deu com uma pedra pontiaguda, e perdi os sentidos.

Capítulo XXVII

Não conseguiria descrever meu desespero. Nenhuma palavra conseguiria transmitir o que eu estava sentindo. Estava enterrado vivo, tendo como perspectiva morrer em meio às torturas da fome e da sede. Passava maquinalmente minhas mãos ardentes pelo chão. Como aquela rocha me parecia ressecada!

Como teria abandonado o curso do riacho? Afinal, ele não estava mais ali! Então compreendi o motivo daquele silêncio estranho quando, pela última vez, prestei atenção para tentar ouvir algum chamado de meus companheiros. Quando meu primeiro passo conduziu-me àquele caminho imprudente, não reparei na ausência do riacho. É evidente que, naquele momento, uma bifurcação da galeria abrira-se diante de mim, enquanto o Hans Bach, obedecendo aos caprichos de uma outra inclinação, ia junto a meus companheiros em direção às profundezas desconhecidas!

Como voltar? Não havia qualquer pista! Meu pé não deixara qualquer marca no granito. Quebrava a cabeça procurando uma solução para aquele problema insolúvel. Minha situação resumia-se a uma só palavra: perdido! Sim! Perdido a uma profundidade que me parecia incomensurável! O peso das trinta léguas de crosta terrestre nos ombros era terrível. Sentia-me esmagado.

Tentei voltar meus pensamentos às coisas cotidianas, o que consegui com enorme dificuldade. Hamburgo, a casa da Königstrasse, minha pobre Grauben, todo aquele mundo sob o qual eu estava perdido passou rapidamente pela minha memória sobressaltada. Numa vívida alucinação, revi os incidentes da viagem, a travessia, a Islândia, o senhor Fridriksson, o Sneffels. Disse a mim mesmo que, se conservasse na minha situação qualquer sombra de esperança, seria sinal de loucura, e que era melhor ficar desesperado!

De fato, que poder humano poderia levar-me de volta à superfície do globo e desconjuntar as enormes abóbadas que se escoravam sobre minha cabeça? Quem conseguiria recolocar-me no caminho certo e fazer com que eu voltasse para junto de meus companheiros?

– Ah, meu tio! – gritei com desespero.

Foi a única palavra de censura que me veio aos lábios, pois compreendi quanto aquele homem também infeliz deveria estar sofrendo à minha procura. Quando me vi assim desprovido de qualquer possibilidade de auxílio humano, incapaz de tentar algo para me salvar, pensei no auxílio do céu. As lembranças de minha infância, de minha mãe, que só conhecera quando era muito pequeno, voltaram-me à mente. Recorri à oração, embora tivesse pouco direito de ser ouvido por Deus, ao qual me dirigia tão tarde, e implorei com fervor.

Fonte: http://jv.gilead.org.il/rpaul/

O recurso à providência acalmou-me um pouco, e consegui concentrar todas as forças da inteligência em minha situação. Tinha víveres para três dias, e meu cantil estava cheio. No entanto, não podia ficar sozinho por mais tempo do que isso. Deveria subir ou descer? É claro que subir! Sempre! Deveria chegar ao ponto em que abandonara a nascente, à bifurcação funesta. Ali, com o riacho a meus pés, sempre poderia subir ao topo do Sneffels. Como não pensara nisso antes! Era minha chance de salvação! O mais importante era, portanto, reencontrar o curso do Hans Bach.

Levantei-me e, sustentando-me no bastão de ferro, subi pela galeria. Era uma vertente bastante íngreme. Caminhava cheio de esperança e sem maiores problemas, como um homem que não tem de optar por um caminho. Por cerca de meia hora, não fui detido por qualquer obstáculo. Tentava reconhecer o caminho pela forma do túnel, pelas saliências de certas rochas, pela disposição das cavidades. Mas nenhum sinal particular chamou minha atenção, e logo tornou-se evidente que aquela galeria não me conduziria à bifurcação. Não tinha saída. Dei com uma parede impenetrável e caí na pedra.

É impossível descrever o meu pavor, o meu desespero. Estava aniquilado. Minha última esperança acabara de romper-se naquela muralha de granito. Não tinha como tentar uma fuga impossível naquele labirinto cujas sinuosidades se cruzavam em todos os sentidos! Deveria enfrentar a pior de todas as mortes! E, coisa estranha, pensei que, se um dia meu corpo fossilizado fosse encontrado a trinta léguas nas entranhas da terra, o fato levantaria seríssimas questões científicas.

Quis falar em voz alta, mas apenas tons roucos atravessaram meus lábios ressecados. Eu ofegava. Além de todas essas angústias, fui possuído por um outro terror. Minha lanterna estragara-se ao cair. Não havia qualquer meio de consertá-la. Sua luz estava se apagando e iria me faltar! Via a corrente luminosa diminuindo na serpentina do aparelho. Uma procissão de sombras moventes desenrolou-se nas paredes obscurecidas. Nem ousava mais abaixar as pálpebras de medo de perder o menor átomo daquela claridade fugidia!

A todo instante achava que iria apagar-se e que o “negro” me invadiria. Finalmente, um último clarão tremulou na lanterna. Acompanhei-o, aspirei-o com o olhar. Concentrei nele todo o poder de meus olhos, como na última sensação de luz que lhes fosse concedido sentir, e submergi em trevas profundas. Como gritei! Na terra, nas noites mais escuras, nunca a luz desaparece completamente! É difusa, é sutil, mas por menos luz que reste, a retina do olho acaba conseguindo vê-la! Aqui, nada! A total escuridão transformava-me num cego em todos os sentidos do termo. Então perdi a cabeça.

Ergui-me, os braços à minha frente, tentando apalpadelas das mais dolorosas. Comecei a fugir, precipitando-me pelo inextrincável labirinto, sempre descendo, correndo pela crosta terrestre como um habitante das falhas subterrâneas, chamando, gritando, urrando, logo machucado pelas saliências das rochas, caindo e erguendo-me ensanguentado, tentando beber o sangue que inundava meu rosto e sempre esperando que aparecesse uma muralha para arrebentar minha cabeça.

Para onde me conduziu aquela corrida insana? Continuava a ignorá-lo. Depois de várias horas, sem dúvida quase sem forças, caí como uma massa inerte ao longo da parede e perdi qualquer sentimento de vida!

Capítulo XXVI

Devo confessar que as coisas estavam indo bem até então e que não tinha por que reclamar. Se a “média” das dificuldades não aumentasse, não deixaríamos de alcançar nosso objetivo. E então, que glória! Cheguei a ter esses pensamentos à la Lidenbrock. Sério. Seria devido ao meio estranho em que vivia? Talvez.

Durante alguns dias, fomos levados para o fundo do maciço interno por inclinações mais rápidas, algumas de surpreendente verticalidade. Em certos dias, avançávamos de uma légua e meia a duas para o centro. Descidas perigosas, para as quais a habilidade de Hans e seu maravilhoso sangue-frio nos foram muito úteis. O impassível islandês sacrificava-se com uma incompreensível desenvoltura, e graças a ele superamos mais de um obstáculo, que só eu e meu tio não teríamos conseguido ultrapassar.

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Por exemplo, seu mutismo aumentava a cada dia que passava. Acho até que nos impregnava. Os objetos externos exercem uma ação real sobre o cérebro. Os que estão presos entre quatro paredes acabam por perder a faculdade de associar as ideias e as palavras. Quantos prisioneiros se tornaram imbecis e até loucos por não exercitar o raciocínio!

Nas duas semanas seguintes à nossa última conversa, não aconteceu qualquer incidente digno de nota. Só tenho gravado na memória, e com razão, um único acontecimento de extrema gravidade. Eu teria dificuldade em esquecer seus mínimos detalhes.

A 7 de agosto, nossas sucessivas descidas haviam nos conduzido a uma profundidade de trinta léguas, ou seja, havia trinta léguas de rochas, oceano, continentes e cidades sobre nossa cabeça. Devíamos estar a duzentas léguas da Islândia. Naquele dia, o túnel seguia um plano pouco inclinado.

Eu caminhava à frente. Meu tio carregava um dos aparelhos Ruhmkorff e eu, o outro. Examinava as camadas de granito. De repente, quando me virei, percebi que estava sozinho. “Bem”, pensei, “ou estava andando depressa demais, ou meu tio e Hans pararam no caminho. Vou voltar até eles. Felizmente a subida não é das piores”.

Voltei atrás. Caminhei por uns quinze minutos. Olhei. Ninguém. Chamei. Nenhuma resposta. Minha voz perdeu-se em ecos cavernosos despertados de repente. Comecei a ficar nervoso. Meu corpo foi percorrido por um arrepio.

– Calma – eu disse em voz alta. – Tenho certeza de que encontrarei meus companheiros. Não há dois caminhos! Ora, eu estava na frente, basta voltar.

Subi por mais uma meia hora. Prestava atenção para tentar ouvir algum chamado que, naquela atmosfera tão densa, podia chegar a mim de longe. Reinava um silêncio extraordinário na imensa galeria. Parei. Não conseguia acreditar em meu isolamento. Adoraria ter-me enganado e não perdido. É mais fácil encontrar o caminho quando só nos enganamos.

“Vejamos”, repetia, “como só há um caminho, e eles o seguem, devo reencontrá-los. Basta subir mais um pouco. A menos que, como não me vissem, e tenham se esquecido que eu estava na frente, tenham tido a ideia de voltar. Muito bem, mesmo nesse caso, se eu me apressar, não deixarei de encontrá-los. É óbvio”.

Repeti as últimas palavras nada convencido. Além disso, para associar essas ideias tão simples e reuni-las em forma de raciocínio, demorei muito tempo. Uma dúvida assaltou-me. Será que eu estava mesmo na frente? É claro, Hans estava atrás de mim, na frente de meu tio. Até parara por alguns momentos para amarrar melhor a bagagem em seu ombro. Esse detalhe voltava-me à cabeça. Foi justamente naquele momento que devo ter continuado.

“Além disso”, eu pensava, “há um meio seguro de não me perder, um fio que não quebra para guiar-me nesse labirinto, o meu fiel riacho. Basta eu subir seu curso e forçosamente encontrarei a pista de meus companheiros. Esse raciocínio reanimou-me e resolvi recomeçar a andar sem perda de tempo.

Como bendisse então a precaução de meu tio, que impediu o caçador de fechar o entalhe feito na parede de granito! Dessa forma, além de saciar nossa sede, a fonte benéfica iria guiar-me pelas sinuosidades da crosta terrestre.

Antes de começar a subir, achei que uma ablução me faria bem. Abaixei-me para mergulhar o rosto na água do Hans Bach! Imaginem o meu estupor! Estava pisando num granito seco e áspero! o riacho não estava mais correndo a meus pés!

Capítulo XXV

Acordei, portanto, no domingo de manhã, sem aquela preocupação costumeira de partir imediatamente. E embora isso acontecesse no mais profundo dos abismos, não deixava de ser agradável. Além disso, já nos habituáramos àquela vida de trogloditas. Já não pensava mais no sol, nas estrelas, na lua, nas árvores, nas casas, nas cidades, enfim, em todas aquelas superficialidades terrestres transformadas em necessidade pelo ser sublunar. Em nossa qualidade de fósseis, desdenhávamos aquelas maravilhas inúteis.

A gruta formava uma vasta sala. Sobre seu solo granítico, corria suavemente o riacho fiel. A tal distância de sua nascente, sua água tinha a temperatura ambiente e não era mais difícil de beber. Depois do almoço, o professor quis dedicar algumas horas para colocar em ordem suas anotações diárias.

– Primeiro – disse –, vou fazer alguns cálculos para levantar exatamente nossa posição; na volta, quero poder traçar um mapa de nossa viagem, uma espécie de secção vertical do globo que mostrará o perfil de nossa expedição.

– Será muito curioso, meu tio; mas suas observações serão precisas o suficiente?

– Sim. Anotei com cuidado os ângulos e as inclinações. Estou certo de que não me enganei. Antes de mais nada, vejamos onde estamos. Pegue a bússola e observe a direção que ela indica.

Olhei o instrumento e, após um exame cuidadoso, respondi:

– Leste-sudeste.

– Bem – murmurou o professor, anotando a observação e fazendo alguns cálculos rápidos. – Concluo que, desde nossa partida, percorremos oitenta e cinco léguas.

– Estamos viajando sob o Atlântico?

– Exatamente.

– E talvez nesse momento esteja caindo uma tempestade, e as ondas e o furacão estejam sacudindo navios sobre nossas cabeças?

– É possível.

– E as baleias estejam tocando com suas caudas as muralhas de nossa prisão?

– Fique tranquilo, Áxel, não conseguirão abalá-la. Mas voltemos a nossos cálculos. Estamos a sudeste, a oitenta e cinco léguas da base do Sneffels e, de acordo com as minhas anotações anteriores, avalio nossa profundidade em dezesseis léguas.

– Dezesseis léguas! – exclamei.

– Com certeza.

– Mas é o limite extremo delimitado pela ciência à espessura da crosta terrestre!

– Não nego.

– E aqui, de acordo com a lei do aumento da temperatura, deveria estar um calor de mil e quinhentos graus.

– Deveria, meu rapaz.

– E todo esse granito não se manteria em estado sólido e estaria em plena fusão.

– Como você vê, não é bem assim e, como de hábito, os fatos desmentem as teorias.

– Sou obrigado a concordar, mas isso me surpreende.

– O termômetro está marcando...

– Vinte e sete graus e seis décimos.

– Os cientistas se enganaram em mil quatrocentos e setenta e quatro graus e quatro décimos. O aumento proporcional da temperatura é, portanto, um erro. Humphry Davy não estava enganado. Nem eu errei em ouvi-lo. O que você diz disso?

– Nada.

Na verdade eu tinha muito a dizer. Não admitia a teoria de Davy, continuava apostando no calor central, embora absolutamente não sentisse seus efeitos. Na verdade, preferia admitir que aquela chaminé de um vulcão extinto, recoberta pelas lavas de uma camada refratária, não permitia que a temperatura se propagasse pelas suas paredes. Mas, sem tentar encontrar novos argumentos, limitava-me a aceitar a situação tal como era.

– Meu tio – continuei –, considero todos os seus cálculos exatos, mas permita-me chegar, a partir deles, a consequências rigorosas.

– À vontade, meu rapaz.

– No ponto em que estamos, sob a latitude da Islândia, o raio terrestre é de mais ou menos mil quinhentas e oitenta e três léguas?

– Mil quinhentas e oitenta e três léguas e um terço.

– Arredondemos isso para mil e seiscentas léguas. De uma viagem de mil e seiscentas léguas, já percorremos doze?

– Exatamente.

– Isso equivale a oitenta e cinco léguas de diagonal?

– Isso mesmo.

– Em cerca de vinte dias?

– Em vinte dias.

– Ora, dezesseis léguas correspondem a um centésimo do raio terrestre. Sendo assim, levaremos dois mil dias ou quase cinco anos e meio descendo!

O professor não respondeu.

– Sem contar que, se uma vertical de dezesseis léguas termina por uma horizontal de oitenta, isso dá oito mil milhas na direção sudeste, e muito tempo antes de alcançar o centro já teremos saído por um ponto da circunferência!

– Ao diabo com seus cálculos! – replicou meu tio com um gesto de raiva. – Ao diabo com suas hipóteses! Em que se baseiam? Quem lhe garante que esse corredor não dará diretamente em nosso objetivo? Aliás, tenho um precedente a meu favor. Outro já fez o que estou fazendo, outro já foi bem-sucedido e eu também terei êxito.

– Espero que sim, mas, enfim, posso permitir-me...

– Você pode permitir-se calar, Áxel, já que está dizendo coisas tão irracionais.

Observei que o terrível professor ameaçava reaparecer na pele do tio e resolvi evitar tal desenlace.

– Agora, consulte o manômetro – retomou. – O que indica?

– Uma pressão considerável.

– Bem, você percebe que descendo suavemente, acostumando-nos pouco a pouco com a densidade da atmosfera, quase não a sentimos?

– Quase nada, só um pouco de dor de ouvido.

– Isso não é nada, e esse mal-estar desaparecerá se colocar o ar exterior rapidamente em contato com o ar encerrado em seus pulmões.

– Com certeza – respondi, resolvido a não mais contrariar meu tio. – Dá até prazer sentir-se mergulhado numa atmosfera mais densa. O senhor observou com que intensidade o som se propaga?

– Sem dúvida. Um surdo acabaria ouvindo às mil maravilhas.

– Mas essa densidade aumentará com toda a certeza?

– Sim, de acordo com uma lei muito pouco determinada. É verdade que a intensidade da gravidade diminuirá à medida que descermos. Você bem sabe que ela é sentida com maior nitidez na própria superfície da terra, e que no centro do globo os objetos deixam de pesar.

– Sei, mas diga-me, o ar não acabará por adquirir a densidade da água?

– Claro, sob uma pressão de setecentas e dez atmosferas.

– E mais embaixo?

– Mais embaixo, a densidade aumentará mais ainda.

– Então como desceremos?

– Colocaremos pedregulhos nos bolsos.

– Que incrível, meu tio, o senhor tem resposta para tudo.

Não ousei ir além do campo das hipóteses, pois teria chegado a qualquer outra impossibilidade que faria o professor ter uma síncope. No entanto, era evidente que o ar, sob uma pressão que poderia alcançar milhares de atmosferas acabaria por chegar ao estado sólido e então, mesmo admitindo-se que nossos corpos resistissem, seria preciso parar a despeito de todos os raciocínios do mundo.

Mas não insisti nesse argumento. A resposta de meu tio seria, mais uma vez seu eterno Saknussemm, precedente sem qualquer valor, pois, mesmo que considerássemos a viagem do cientista islandês como comprovada, a resposta seria bem simples: No século XVI, nem o manômetro nem o termômetro haviam sido inventados; então como Saknussemm poderia afirmar ter chegado ao centro do globo?

Guardei, porém, essa objeção para mim mesmo e aguardei os acontecimentos. Passamos o resto do dia em cálculos e conversas. Concordei todo o tempo com o professor Lidenbrock, invejando a indiferença completa de Hans, que, sem procurar tantas causas e efeitos, deixava-se conduzir cegamente pelo destino.

Capítulo XXIV

No dia seguinte, já havíamos esquecido nossos sofrimentos. Surpreendia-me, antes de mais nada, não sentir mais sede e perguntava-me por quê. O riacho que corria a meus pés em murmúrios encarregou-se de responder-me.

Depois do desjejum, bebemos aquela excelente água ferruginosa. Sentia-me reanimado e decidido a ir longe. Por que um homem convicto como meu tio não obteria êxito com um guia esperto como Hans e um sobrinho “determinado” como eu? Que ideias e tanto percorriam minha mente! Se me propusessem voltar ao cimo do Sneffels, negar-me-ia a fazê-lo com indignação.

Felizmente, era só uma questão de descer.

– Vamos! – gritei, acordando os velhos ecos do globo com minha voz entusiasmada.

Recomeçamos a andar na quinta-feira, às oito horas da manhã. O corredor de granito, cheio de desvios sinuosos, apresentava cotovelos inesperados e parecia um labirinto; mas, em suma, sua direção principal era sempre sudeste. Meu tio não parava de consultar a bússola com o maior cuidado para saber exatamente para onde estávamos indo.

A galeria embrenhava-se quase horizontalmente, com duas polegadas de inclinação por toesa no máximo. O riacho corria sem precipitação, murmurando aos nossos pés. Comparava-o a um espírito familiar que nos guiava pela terra e acariciava com a mão a tépida Náiade cujos cantos acompanhavam nossos passos. Meu bom humor assumia cada vez mais feições mitológicas.

Meu tio já praguejava contra a horizontalidade da estrada, ele, “homem das verticais”. Seu caminho prolongava-se indefinidamente e, em vez de escorregar ao longo do raio terrestre, seguia, de acordo com o que dizia, pela hipotenusa. Mas não tínhamos escolha e por menos que avançássemos em direção ao centro, não tínhamos do que nos queixar. Além disso, de vez em quando as inclinações tornavam-se mais íngremes; a Náiade começava a descambar mugindo, e nós afundávamos com ela.

Em suma, naquele dia e no dia seguinte, percorremos uma boa distância horizontal e relativamente pouco caminho vertical. De acordo com as estimativas, na sexta-feira à noite, 10 de julho, devíamos estar trinta léguas a sudoeste de Reykjavik e a uma profundidade de duas léguas e meia.

Abriu-se, então, sob nossos pés, um poço bastante assustador. Meu tio não conseguiu evitar aplaudir depois de calcular o declive de suas vertentes.

– Isso pode nos levar longe e com muita facilidade – gritou –, pois as saliências da rocha formam uma verdadeira escada!

Hans dispôs as cordas de forma a prevenir qualquer acidente. Começamos a descer. Não ouso chamar a descida de perigosa, pois já estava familiarizado com aquele tipo de exercício.

O poço era uma fenda estreita no maciço do tipo a que chamamos de “falha”. Com certeza fora produzida pela contração da estrutura terrestre na época de seu resfriamento. Se outrora servira de passagem ao material eruptivo vomitado pelo Sneffels, não conseguia encontrar qualquer explicação para o fato de não ter deixado qualquer vestígio. Descíamos por uma espécie de escada em caracol, que parecia ter sido feita pelo homem.

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De quinze em quinze minutos, tínhamos de parar para descansar um pouco para que as barrigas de nossas pernas voltassem à sua elasticidade normal. Então sentávamos em qualquer saliência, as pernas penduradas, conversávamos comendo e matávamos a sede no riacho. Nem é preciso dizer que naquela falha o Hans Bach transformara-se numa cascata em detrimento de seu volume; mas era mais do que suficiente para matar nossa sede; além disso, nos declives menos íngremes, não deixava de voltar ao seu curso tranquilo. Naquele momento, lembrava-me meu digno tio, com seus acessos de impaciência e de raiva, enquanto, nas inclinações mais suaves, mantinha a calma do caçador islandês.

Nos dias 11 e 12 de julho, seguimos as espirais da falha, penetrando mais duas léguas na crosta terrestre, o que perfazia quase cinco léguas abaixo do nível do mar. Mas no dia 13, por volta do meio-dia, a falha assumiu na direção sudeste uma inclinação bem mais suave, de cerca de quarenta e cinco graus. O caminho tornou-se então fácil e muito monótono. Difícil ser de outra forma. A viagem não podia ser variada pelos incidentes da paisagem.

Finalmente, na quarta-feira, 15 de julho, estávamos sete léguas sob a terra e a mais ou menos cinquenta léguas do Sneffels. Embora um pouco cansados, o nosso estado de saúde era tranquilizador; ainda não tocáramos na nossa farmácia de viagem.

Meu tio anotava hora a hora as indicações da bússola, do cronômetro, do manômetro e do termômetro, as que publicou no relato científico de sua viagem. Era portanto fácil saber exatamente nossa situação. Quando me disse que estávamos a uma distância horizontal de cinquenta léguas, não pude conter uma exclamação.

– O que você tem? - perguntou.

– Nada, só estou pensando uma coisa.

– No quê, meu rapaz?

– É que, se seus cálculos estão corretos, não estamos mais sob a Islândia.

– Você acha?

– É fácil verificar.

Com o compasso medi as distâncias no mapa.

– Não estava enganado – disse. – Ultrapassamos o cabo Portland, e essas cinquenta léguas a sudeste colocam-nos em pleno mar.

– Em pleno mar! – replicou meu tio, esfregando as mãos.

– Desta forma – exclamei –, o oceano se estende sobre nossas cabeças!

– Ora, Áxel, nada mais natural! Não existem minas de carvão em Newcastle que se estendem por muitas milhas sob as ondas?

Para o professor, essa situação podia parecer muito simples, mas a ideia de passear sob a massa aquática não deixou de preocupar-me. E no entanto, fazia ter suspensas sobre nossas cabeças as montanhas da Islândia ou as vagas do Atlântico, desde que a estrutura granítica fosse sólida. Além disso, acostumei-me rapidamente com a ideia, pois o corredor, ora reto, ora sinuoso, caprichoso em suas inclinações e seus desvios, mas sempre correndo para sudeste e sempre continuando a penetrar na terra, conduziu-nos com rapidez a grandes profundidades.

Quatro dias depois, no sábado, 18 de julho, à noite, chegamos a uma espécie de gruta muito ampla. Meu tio pagou a Hans seus três risdales semanais, e decidimos descansar durante todo o dia seguinte.

Capítulo XXIII

Durante uma hora, fiquei imaginando em meu cérebro em delírio todos os motivos possíveis para o ato do tranquilo caçador. As ideias mais absurdas confundiam-se em minha cabeça. Achei que ia ficar louco!

Mas finalmente ouvi um ruído no fundo do abismo. Hans estava voltando. Uma luz incerta começara a insinuar-se pelas paredes, desembocando depois pelo orifício do corredor. Hans apareceu. Aproximou-se de meu tio, tocou seu ombro com a mão e acordou-o com suavidade. Meu tio levantou-se.

– O que aconteceu? – murmurou.

– Vatten – respondeu o caçador.

Deve-se acreditar que, inspirado por sofrimentos violentos, todos se tornam poliglotas. Não conhecia uma única palavra de dinamarquês, mas instintivamente compreendi o que nosso guia estava dizendo.

– Água, água! – gritei, batendo as mãos, gesticulando como um louco.

– Água! – repetiu meu tio. – Hvar? – perguntou ao islandês.

– Nedat - respondeu Hans.

Onde? Lá embaixo. Eu compreendia tudo. Pegara as mãos do caçador e apertava-as, enquanto ele me olhava com calma. Os preparativos para a partida não demoraram, e logo caminhávamos por um corredor cuja inclinação chegava a dois pés por toesa. Uma hora depois, andáramos mil toesas e descêramos dois mil pés.

Naquele momento, ouvi distintamente um som inabitual correr pelos flancos da muralha granítica, uma espécie de mugido surdo, como o de uma tempestade distante. Como durante a primeira meia hora de caminhada não encontráramos a fonte anunciada, comecei a sentir-me novamente angustiado, mas meu tio indicou-me a origem dos ruídos.

– Hans não se enganou – disse. – Isso que você está ouvindo é o mugido de uma torrente.

– Uma torrente? – exclamei.

– Não há mais dúvidas. Um rio subterrâneo circula ao nosso redor.

Apressamos o passo, excitados pela esperança. Já não sentia mais o cansaço. Aquele ruído de água murmurante já me refrescava. Aumentava sensivelmente. Após ter-se sustentado por um período acima de nossas cabeças, agora a torrente corria pela parede da esquerda, mugindo e saltando. Eu ficava passando a mão na rocha, esperando encontrar vestígios de ressudação ou umidade, mas em vão. Mais meia hora se passou. Transpusemos mais meia légua.

Tornou-se então evidente que, em sua ausência, o caçador não pudera prolongar suas pesquisas para além daquele ponto. Guiado por um instinto próprio aos montanheses e hidróscopos, “sentira” a torrente através da rocha, mas com certeza não vira o precioso líquido; não desalterara.

Também logo constatamos que, se continuássemos a andar, iríamos afastar-nos da corrente, cujo murmúrio tendia a diminuir. Recuamos. Hans parou no ponto preciso em que a corrente parecia mais próxima.

Sentei-me perto da muralha, enquanto as águas corriam a dois pés de mim com extrema violência. Mas ainda estávamos separados delas por uma parede de granito. Sem refletir ou perguntar-me se não existiria algum meio de obter aquela água, deixei-me levar por um primeiro momento de desespero. Hans olhou para mim, e acreditei ter visto um sorriso em seus lábios.

Ele levantou-se e pegou a lâmpada. Acompanhei-o. Dirigiu-se para a muralha. Fiquei olhando para ele. Ele colou sua orelha na pedra e passeou-a, ouvindo com muito cuidado. Compreendi que estava procurando o ponto em que a torrente fazia mais barulho. Encontrou-o na parede lateral da esquerda, três pés acima do chão.

Como eu estava emocionado! Nem ousava adivinhar o que o caçador queria fazer! Mas tive de compreendê-lo e aplaudi-lo, enchê-lo de carinho, quando vi que pegava sua picareta para quebrar a própria rocha.

– Estamos salvos! – gritei.

– Sim - repetia meu tio em frenesi. – Hans tem razão!

Ah, belo caçador. Não teríamos encontrado isso! Com toda a certeza, por mais simples que fosse esse meio, jamais teríamos tido essa ideia. Nada mais perigoso do que uma picaretada naquela estrutura do globo. Quem poderia garantir que não seríamos esmagados por algum desmoronamento? E se a torrente que surgisse pela rocha provocasse uma inundação? Não eram perigos imaginários. Contudo, naquele momento, o temor de desmoronamento ou inundação não poderia nos deter, e nossa sede era tão intensa que, para matá-la, teríamos escavado o próprio leito do oceano.

Hans começou a executar o trabalho que nem eu nem meu tio teríamos coragem de fazer. Levados pela impaciência, a rocha teria estourado sob nossos golpes precipitados. Ao contrário, calmo e moderado, o guia desgastou pouco a pouco o rochedo com uma série de picaretadas, cavando uma abertura de seis polegadas.

Eu ouvia o barulho da torrente aumentar e já sentia a água benéfica em meus lábios. Logo a picareta penetrou dois pés na muralha de granito. O trabalho durava mais de uma hora. Torcia-me de impaciência. Meu tio quis empregar meios mais violentos. Foi difícil detê-lo, e já pegara sua picareta quando ouvimos um assobio. Um jato de água jorrou da muralha e foi quebrar-se na parede oposta.


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Um tanto alterado pelo choque, Hans não conseguiu conter um grito de dor. Consegui compreendê-lo quando mergulhei minhas mãos no jato líquido. Também soltei uma exclamação violenta. A água da fonte estava fervendo!

– Água a cem graus! – exclamei.

– Esfriará – respondeu meu tio.

O corredor enchia-se de vapores, enquanto se formava um riacho que ia perder-se nas sinuosidades subterrâneas; logo tomávamos o primeiro gole. Ah! Que prazer! Que voluptuosidade incomparável! O que era aquela água? De onde vinha? Não tinha nenhuma importância. Era água e, embora ainda quente, trazia de volta ao coração a vida que lhe fugia. Bebi sem parar, sem nem mesmo degustar. Somente depois de um minuto de deleite exclamei:

– Mas é água ferruginosa!

– É excelente para o estômago – replicou meu tio –, pois contém um alto grau de mineralização! Essa viagem acabou valendo por uma estação de águas em Spa ou Toeplitz!

– Ah, como é bom!

– Com toda a certeza, uma fonte a duas léguas sob a terra! Tem um gosto de tinta nada desagradável. Que bela nascente Hans descobriu para nós! Proponho seu nome para esse saudável riacho.

– Concordo! – exclamei.

E adotamos imediatamente o nome de “Hans Bach”. Hans não demonstrou maior orgulho. Após ter saciado a sede com moderação, encostou-se num canto com sua calma habitual.

– Agora – disse –, não devemos deixar que essa água se perca.

– Para quê? – respondeu meu tio. – Acho que a nascente é inesgotável.

– De qualquer modo, vamos encher nossos cantis e depois tentaremos tampar a abertura.

Meus companheiros acataram meu conselho. Em meio aos estouros de granito e estopa, Hans tentou obstruir o entalhe na parede, o que não foi fácil. Queimávamos a mão sem conseguir nada; a pressão era forte demais, e nossos esforços foram em vão.

– É evidente que os lençóis superiores desse curso de água localizam-se a uma grande altitude; como o seu jato é forte! – comentei.

– Com toda a certeza – replicou meu tio. – Se a coluna de água tiver trinta e dois mil pés de altura, estamos diante de mil atmosferas de pressão. Mas acabo de ter uma ideia.

– Qual?

– Por que essa teima em tamparmos a abertura?

– Porque...

Não consegui encontrar uma boa razão.

– Temos certeza de que encontraremos água quando nossos cantis estiverem vazios?

– É claro que não.

– Então deixemos essa água correr! Ela descerá naturalmente e guiará aqueles que refrescará no caminho!

– Que boa ideia! – exclamei – e, com esse riacho por companheiro, não há mais nenhum motivo para que nossos planos não dêem certo.

– Ah, você acaba de compreender tudo, meu caro – riu o professor.

– Não só compreendi, como também estou acompanhando tudo.

– Um momento, antes de mais nada, descansemos por algumas horas.

Esquecera-me completamente de que era noite. O cronômetro encarregou-se de informar-me. Logo todos nós, suficientemente refeitos e refrescados, caímos num sono profundo.

Capítulo XXII

Desta vez, recomeçamos a descer pela outra galeria. Hans ia na frente, como sempre. Havíamos andado menos de cem passos, quando o professor, passeando sua lâmpada pelas muralhas, exclamou:

– Aqui estão os terrenos primitivos! Estamos no caminho certo! Vamos, vamos!

Quando a Terra resfriou gradualmente nos primeiros dias do mundo, a diminuição de seu volume produziu na crosta deslocamentos, rupturas, contrações e fendas. O corredor em que estávamos era uma fissura desse tipo, pela qual se espalhava outrora o granito eruptivo. Seus mil desvios formavam um labirinto inextrincável através do solo primordial.

À medida que descíamos, a sucessão de camadas que compunham o terreno primário aparecia com maior nitidez. A ciência geológica considera esse terreno primitivo como a base da crosta mineral, e reconheceu que é composta de três camadas diferentes, os xistos, os gnaisses, os micaxistos, que repousam sobre a rocha inabalável que chamamos de granito.

Ora, nunca um mineralogista encontrou-se em circunstâncias tão fantásticas para estudar a natureza in loco. Iríamos estudar com nossos olhos, tocar com nossas mãos aquilo que a sonda, máquina inteligente e brutal, não podia transportar de sua textura interna para a superfície do globo.

Pela espécie dos xistos, coloridos de belos matizes verdes, serpenteavam veios metálicos de cobre, de manganês com alguns vestígios de ouro e platina. Pensava naquelas riquezas escondidas nas entranhas do globo, de que a humanidade ávida jamais gozaria! As perturbações dos primeiros dias enterraram aqueles tesouros tão profundamente que nunca as pás ou as picaretas conseguirão arrancá-los de seus túmulos.

Os xistos foram substituídos por gnaisses de estrutura estratiforme, admiráveis pela regularidade e pelo paralelismo de suas folhas, depois por micaxistos dispostos em grandes lamelas realçadas pelas cintilações da mica branca. A luz dos aparelhos, refletida pelas pequenas facetas da massa rochosa, cruzava seus jatos de fogo sob todos os ângulos, e eu sentia estar viajando por um diamante oco, no qual os raios se quebravam em mil cintilações.

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Por volta das seis horas, essa festa de luz diminuiu sensivelmente, quase cessou; as paredes assumiram um matiz cristalizado mas escuro; a mica misturou-se mais intimamente com o feldspato e o quartzo para formar a rocha por excelência, a pedra mais dura de todas, a que suporta, sem ser esmagada, os quatro andares de terrenos do globo. Estávamos murados na imensa prisão de granito.

Eram oito da noite. Ainda não havíamos encontrado água. Eu sofria terrivelmente. Meu tio ia na frente. Não queria parar. Aguçava os ouvidos para surpreender os murmúrios de alguma fonte. Mas nada!

Minhas pernas recusavam-se a carregar-me. Resistia às minhas torturas para não obrigar meu tio a parar. Teria sido desesperador para ele, pois o último dia que lhe pertencia estava acabando. Finalmente, as forças abandonaram-me. Dei um grito e caí.

– Socorro! Estou morrendo!

Meu tio voltou. Considerou-me cruzando os braços. Depois, saíram essas palavras surdas de seus lábios:

– Está tudo acabado!

Vi um último e terrível gesto de raiva, e fechei os olhos. Quando voltei a abri-los, vi meus dois companheiros imóveis e enrolados em seus cobertores. Será que estavam dormindo? Quanto a mim, não consegui adormecer. Sofria demais, principalmente ao pensar que o meu mal não tinha remédio. As últimas palavras de meu tio ressoavam em meus ouvidos. “Está tudo acabado!”, pois em tal estado de fraqueza, nem dava para pensar em voltar à superfície do globo.

Havia uma légua e meia de crosta terrestre! Parecia que essa massa pesava, com todo o seu peso, sobre meus ombros. Sentia-me esmagado, e extenuava-me em esforços violentos para virar-me em meu leito de granito.

Passaram-se algumas horas. Reinava um silêncio profundo ao nosso redor, um silêncio sepulcral. Nada se ouvia através daquelas muralhas, a mais fina com cinco milhas de espessura. No entanto, em meio ao meu torpor, acreditei ter ouvido um ruído. Estava muito escuro no túnel. Olhei com mais atenção e achei ter visto o islandês desaparecer, lanterna na mão.

Por que estaria indo embora? Estaria nos abandonando? Meu tio dormia. Quis gritar. A voz não conseguiu sair pelos meus lábios ressecados. A escuridão tornara-se profunda, e os últimos ruídos acabaram de se apagar.

– Hans está nos abandonando! – gritei – Hans! Hans!

Gritava essas palavras dentro de mim. Elas não conseguiam alcançar uma distância maior. No entanto, após o primeiro instante de terror, tive vergonha de minha suposição em relação a um homem que até então não revelara qualquer comportamento suspeito. Sua partida não podia ser uma fuga. Em vez de subir a galeria, descia. As más intenções teriam-no conduzido para cima e não para baixo. Esse raciocínio acalmou-me um pouco e passei para outra ordem de ideias. Somente um motivo grave teria arrancado Hans, aquele homem tranquilo, de seu repouso. Estava partindo para uma descoberta. Teria ouvido na noite silenciosa algum murmúrio que eu não percebera?
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