Parte 2

Francis Benett despertou naquela manhã de muito mau humor. Fazia oito dias que sua esposa estava na França. Encontrava-se, pois, um pouco solitário. Dá para acreditar? Estavam casados há dez anos e era a primeira vez que a senhora Edith Benett, uma modelo profissional, ausentava-se tanto tempo. Normalmente, dois ou três dias bastavam para suas frequentes viagens à Europa, mais precisamente para Paris, onde ia comprar chapéus.

A primeira preocupação de Francis Benett foi, pois, por em funcionamento seu fonotelefoto, cujos cabos davam na mansão que possuía nos Campos Elíseos.

O telefone era complementado pelo telefoto, mais uma conquista de nossa época. Se há tantos anos a palavra é transmitida por correntes elétricas, só muito recentemente pode-se transmitir também a imagem. Valiosa descoberta, a cujo inventor Francis Benett não foi o último a agradecer naquela manha, quando viu sua mulher, reproduzida no vidro telefótico, apesar da grande distância que os separava.

Que linda visão! Um pouco cansada devido ao baile ou ao teatro da véspera, a Sra. Benett permanece ainda deitada na cama. Ainda que lá seja quase meio-dia, ainda dorme, sua cabeça sedutora oculta embaixo dos travesseiros.

De repente se mexe, seus lábios tremulam... por acaso está sonhando? Sim, sonha! Um nome escapa de sua boca: “Francis..., querido Francis...!”

Seu nome, pronunciado com essa voz doce, dá ao humor de Francis Benett um aspecto mais alegre e, não querendo despertar a bela adormecida, levanta rapidamente de seu leito e penetra em seu vestidor mecânico.

Dois minutos depois, sem que houvesse recorrido a ajuda de nenhum empregado, a máquina o deixava, lavado, penteado, calçado, vestido e abotoado de cima a baixo, na porta de suas oficinas. A ronda cotidiana iria começar. Foi na sala de jornalistas que Francis Benett entrou primeiro.

Ampla, esta sala era coroada por uma grande cúpula translúcida. Em um canto, diversos aparelhos telefônicos pelos quais os cem literatos do Earth Herald narram cem capítulos de cem novelas a um público enraivecido.

Enxergando um de seus folhetinistas que descansava por cinco minutos, Francis Benett disse:

– Muito bem, meu caro amigo, muito bem, seu último capítulo. A cena em que a jovem camponesa aborda com seu namorado uns problemas de filosofia transcendente é produto de um agudo poder de observação. Jamais foram melhor descritos os costumes campestres. Continue assim, meu caro Archibald! Ânimo! Dez mil novos assinantes, desde ontem, graças a você!

– Senhor John Last – prosseguiu virando-se para outro de seus colaboradores –, estou menos satisfeito com você. Sua novela não parece verdadeira! Você vai muito rápido ao objetivo! Mas bem, e os métodos documentais? É necessário dissecar! Não é com uma pena que se escreve em nossa época, é com um bisturi. Cada ação da vida real é o resultado dos pensamentos fugidios e sucessivos, que devem ser organizados com esmero para criar um ser vivo. E o que é mais fácil do que utilizar-se do hipnotismo elétrico, que divide o homem e libera sua personalidade. Observe como você vive, meu caro John Last! Faça como seu companheiro a quem parabenizei agora há pouco. Deixe-se hipnotizar... Como? Você já faz isso, foi o que me disse? Não é suficiente, então, não é o suficiente!


Tendo dado essa breve lição, Francis Benett continua a inspeção e entra na sala de reportagens. Seus mil e quinhentos repórteres, então sentados em frente de vários telefones, comunicavam aos assinantes as notícias do mundo inteiro recebidas durante a noite. A organização deste incomparável serviço é frequentemente descrita. Além de seu telefone, cada repórter tem diante de si uma série de comutadores que permitem estabelecer a comunicação com um telefoto particular. Assim os assinantes não só recebem a narração, mas também as imagens dos acontecimentos, obtidas através da fotografia intensiva.


Francis Benett chama um de seus dez repórteres astronômicos, destinados a este serviço, número que aumentará com os novos descobrimentos ocorridos no mundo estelar.

– E então, Cash, o que recebeu?

– Fototelegramas de Mercúrio, de Venus e de Marte, senhor.

– É interessante esse último?

– Sim! Uma revolução no Império Central, em favor dos democratas liberais contra os republicanos conservadores.

– Como aqui, então. E de Júpiter?

– Ainda nada! Não conseguimos entender os sinais dos jupterianos. Talvez os nossos não cheguem lá.

– Isto é responsabilidade sua, senhor Cash! – respondeu Francis Benett, que, aborrecido, dirigiu-se à sala de redação científica.

Debruçados sobre suas calculadoras, trinta sábios se absorviam em equações de nonagésimo quinto grau. Alguns trabalhavam inclusive com fórmulas do infinito algébrico e do espaço de vinte e quatro dimensões como um escolar brinca com as quatro regras da aritmética.

Francis Benett caiu entre eles como uma bomba.

– E então, senhores, o que me dizem? Ainda nenhuma resposta de Júpiter? Será sempre o mesmo! Vamos, Corley, há vinte anos que você estuda esse planeta, me parece...

– O que você quer, senhor? – respondeu o sábio interpelado. – Nossa ótica ainda deixa muito a desejar, inclusive com nossos telescópios de três quilômetros...

– Ouviu isso, Peer? – interrompeu Francis Benett, dirigindo-se ao colega de Corley. – A ótica deixa muito a desejar...! É sua especialidade, meu caro amigo! Ponha mais lentes, diabos! Ponha mais lentes!

Logo voltou a Corley:

– Mas, na falta de Júpiter, pelo menos temos resultados com a Lua?

– Tampouco, senhor Benett!

– Ah! Desta vez não vai culpar a ótica. A Lua está seiscentas vezes mais perto que Marte, com o qual, no entanto, nosso serviço de correspondência está estabelecido com regularidade. Não são os telescópios que faltam...

– Não, o que faltam são habitantes – respondeu Corley com um sábio sorriso enigmático.

– Atreve-se a afirmar que a Lua está desabitada?

– Pelo menos, senhor Benett, na face que nos mostra. Quem sabe se do outro lado...?

– Bem, Corley, há um meio muito simples de descobrir isso...

– E qual é?

– Vire a Lua!

Naquele mesmo dia os sábios da fábrica de Benett começaram a projetar os meios mecânicos que deviam levar à inversão do nosso satélite.
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AMANHÃ AQUI NA BJV

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