Parte 4

Deram as doze horas nesse momento. O diretor do Earth Herald terminou a audiência com um gesto, abandonou a sala, sentou-se em uma cadeira de rodas e chegou em poucos minutos à sala de jantar, localizada a um quilômetro de distância, na extremidade da sua mansão.

A mesa está servida. Francis Benett ocupa seu lugar. Ao alcance de sua mão está disposta uma série de torneiras e, diante de si, o vidro de um fonotelefoto, no qual aparece a sala de jantar de sua mansão em Paris. Apesar da diferença horária, o Sr. e a Sra. Benett combinam de fazer suas refeições ao mesmo tempo. Nada mais encantador que almoçar assim, frente a frente, a seis milhões de quilômetros de distância, vendo-se e conversando por meio de aparelhos fonotelefóticos.

Mas nesse momento a sala em Paris está vazia.

– Edith está atrasada – disse para si mesmo Francis Benett. – Ah, a pontualidade das mulheres! Tudo melhora, menos isso...

E fazendo essa justíssima reflexão, abre uma das torneiras.

Como todas as pessoas abastadas da nossa época, Francis Benett, renunciando à cozinha doméstica, é um dos assinantes da grande Sociedade de Alimentação a Domicílio. Esta sociedade distribui, através de tubos, delícias de todos os tipos. Esse sistema é caro, sem dúvida, mas a comida é muito boa e tem a vantagem de eliminar a enlouquecedora raça de cozinheiros de ambos os sexos.

Assim, Francis Benett almoçou sozinho, não sem lamentar, e estava terminando seu café quando a Sra. Benett, que voltava a sua residência, apareceu no vidro do telefoto.

– E de onde vem, minha querida Edith? – perguntou Francis Benett..

– Oh! – respondeu a Sra. Benett. – Já terminou? Cheguei tarde...? Como assim de onde venho...? Do meu chapeleiro! Este ano ele há uns chapéus fascinantes! E mais, já não são chapéus quaisquer... são domos, são cúpulas! Estou um pouco atrasada...

– Um pouco, querida; pode ver que já terminei meu almoço...

– Bem, vá, meu querido, vá ao seu trabalho – respondeu a Sra. Benett. – Ainda tenho que fazer uma visita a meu modista-modelador.

Esse modista era nada menos que o célebre Wormspire, aquele que corretamente declarou que “a mulher é uma questão de formas”.

Francis Benett beijou a bochecha da Sra. Benett no vidro do fonotelefoto e dirigiu-se à janela, onde o esperava o seu aerocarro.

– Aonde vai, senhor? – perguntou o piloto.

– Vejamos; tenho tempo. – respondeu Francis Benett. – Leve-me às minhas fábricas de acumuladores do Niágara.

Fonte: http://jv.gilead.org.il/rpaul/

O aerocarro, máquina admirável, baseada no princípio do mais pesado que o ar, lançou-se através do espaço com uma velocidade de seiscentos quilômetros por hora. Embaixo dele, desfilavam as cidades e calçadas móveis que transportavam os pedestres pelas ruas, os campos cobertos pela enorme rede de fios elétricos.

Em meia hora, Francis Benett havia chegado a sua fábrica do Niágara, na qual, depois de haver utilizado a força das cataratas para produzir energia, vende-a ou aluga-a aos seus consumidores. Logo, finalizada sua visita, voltou por Filadélfia, Boston e Nova Iorque até Universal City, onde seu aerocarro deixou-o às cinco da tarde.

Havia uma multidão na sala de espera do Earth Herald. Aguardavam o regresso de Francis Benett para a audiência diária que concedia aos solicitantes. Eram inventores que mendigavam fundos, empresários que propunham negócios, todos excelentes quando ouvidos com atenção. Entre as diferentes propostas, devia fazer uma seleção, recusando as más, examinando as duvidosas e aceitando as boas.

Francis Benett despachou rapidamente os que não traziam mais que ideias inúteis ou impraticáveis. Um deles não queria reviver a pintura, uma arte tão fora de moda que um Angelus de Millet acabava de ser vendido por quinze francos, devido ao progresso da fotografia colorida, inventada no final do século XIX pelo japonês Aruziswa-Riochi-Nichome-Sanjukamboz-Kio-Baski-Kû, nome que se tornou popular com tanta facilidade? Não havia outro encontrado o importante bacilo, que devia tornar o homem imortal sob a forma de um caldo de bactérias? Não acabava este, um químico prático, de descobrir um novo corpo simples, o nihilho, cujo quilograma custava três milhões de dólares? Não afirmava aquele, um médico corajoso, que se as pessoas ainda morrem, ao menos morrem curadas? E este outro, ainda mais ousado, não pretendia possuir um remédio específico contra o resfriado?

Todos esses sonhadores foram despedidos imediatamente.

Alguns outros foram melhor recebidos; em primeiro lugar um jovem, cuja ampla testa anunciava uma profunda inteligência.

– Senhor – disse –, se antigamente calculava-se em setenta e cinco os corpos simples, este número foi reduzido atualmente a três, como o senhor sabe.

– Perfeitamente – respondeu Francis Benett.

– Pois bem, senhor, estou a ponto de reduzir estes três a apenas um. Se não me faltar dinheiro, em algumas semanas terei conseguido.

– E então?

– Então, senhor, certamente terei determinado o absoluto.

– E a consequência desta descoberta?

– Será simples a criação de qualquer material: pedra, madeira, metal, fibra...

– Então você poderia fabricar uma criatura humana...?

– Totalmente... só faltaria a alma...

– Só! – respondeu ironicamente Francis Benett, que, no entanto, incorporou o jovem químico à redação científica do jornal...

Um segundo inventor, baseando-se em velhas experiências datadas do século XIX e desde então repetidas muitas vezes, tinha a ideia de deslocar toda uma cidade em bloco. Tratava-se especificamente da cidade de Staaf, localizada a quinze milhas do mar, que seria transformada em estação balneária, após ser levada sobre trilhos até o litoral. Isso resultaria em enormes benefícios para os terrenos edificados e por edificar.

Francis Benett, seduzido por este projeto, consistiu em financiar metade do negócio.

– Sabe, senhor – disse-lhe um terceiro candidato –, que, graças aos nossos acumuladores e transformadores solares e terrestres, pudemos uniformizar as estações. Proponho fazer algo melhor ainda. Transformemos em calor uma parte da energia de que dispomos e enviemos esse calor ao polos para fundir os gelos...

– Deixe-me seus planos – respondeu Francis Benett – e retorne em uma semana.

Por último, um quarto sábio levava a notícia de que uma das questões que apaixonavam ao mundo inteiro seria resolvida nessa mesma noite.

Sabe-se que, um século atrás, uma temerária experiência havia atraído a atenção pública sobre o doutor Nathaniel Faithburn. Defensor da hibernação humana, isso é, da possibilidade de suspender as funções vitais e posteriormente fazê-las renascer após certo tempo, havia se decidido a experimentar em si mesmo esse método. Depois de haver indicado em um testamento holográfico as operações adequadas para trazê-lo de volta a vida no mesmo dia após cem anos, foi submetido a uma temperatura de 172 graus negativos; reduzido então ao estado de múmia, o doutor Faithburn foi encerrado em uma cripta pelo tempo estabelecido.

Bem, era precisamente nesse dia, 25 de julho de 2889, que o prazo expirava. Vieram propor a Francis Benett que a ressurreição esperada com tanta impaciência fosse celebrada em uma das salas do Earth Herald. Desse modo o público poderia estar ciente da situação a cada segundo.

A proposta foi aceita e, como a operação não deveria ser realizada antes das nove da noite, Francis Benett se estendeu em um divã da sala de audição. Logo, girando um botão, pôs-se em comunicação com o Concerto Central.

Depois de uma jornada tão ocupada, que delícia encontrou nas obras dos melhores músicos da época, baseadas em uma série de sábias fórmulas harmônico-algébricas!
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AMANHÃ AQUI NA BJV

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