Parte 3

Francis Benett tinha motivos para estar satisfeito. Um dos astrônomos do Earth Herald acabava de determinar os movimentos do novo planeta Gandini. É a um bilhão, seiscentos milhões, trezentos e quarenta e oito mil, duzentos e oitenta e quatro quilômetros e meio que esse planeta descreve sua órbita ao redor do Sol e para realizá-la necessita duzentos e setenta e dois anos, cento e noventa e quatro dias, doze horas, quarenta e três minutos, nove segundos e oito décimos.

Francis Benett estava encantado com semelhante precisão.

– Bem! – exclamou –, apresse-se em informar ao serviço de reportagens. Você sabe com que paixão o público acompanha estas questões astronômicas. Quero que a notícia apareça na edição de hoje.

Antes de abandonar a sala de repórteres, Francis Benett aproximou-se do grupo especial de entrevistadores e, dirigindo-se ao que estava encarregado das personalidades famosas, perguntou:

– Já entrevistou o presidente Wilcox?

– Sim, senhor Benett, e publiquei na coluna de informações que sem dúvida alguma sofre de uma dilatação do estômago e que deve submeter-se conscientemente a uma lavagem tubular.

– Perfeito. E esse assunto do assassino Chapmann? Entrevistou os jurados que devem presidir a audiência?

– Sim, e estão todos de acordo que é culpado, de modo que o caso nem sequer será visto por eles. O acusado será executado antes de ser condenado...

– Executado... eletricamente?

– Eletricamente, senhor Benett, e sem dor... é o que se espera, pois esse detalhe ainda não foi esclarecido.

A sala ao lado, vasta galeria de meio quilômetro de comprimento, estava designada à publicidade e facilmente se imagina o que deve ser a publicidade de um jornal como o Earth Herald. Produz, em média, três milhões de dólares por dia. Graças ao engenhoso sistema, uma parte desta publicidade é difundida de forma totalmente inédita, devido a uma patente comprada pelo preço de três dólares a um pobre diabo que acabou morto de fome. Consiste em imensos cartazes, refletidos nas nuvens, e cuja dimensão é tal que podem ser vistos em toda a região.

Nessa galeria, mil projetores estão constantemente ocupados em enviar anúncios incomensuráveis às nuvens, que os reproduziam em cores.



Mas, naquele dia, quando Francis Benett entrou na sala de publicidade, viu que os dois mecânicos estavam de braços cruzados junto aos projetores inativos. Questiona-os... como resposta, apontam-lhe o céu de um azul puro.


– Sim, bom tempo – murmura – e a publicidade aérea não é possível! O que fazer? Se fosse apenas chuva poderíamos produzi-la! Mas não precisamos de chuva e sim de nuvens!

– Sim... belas nuvens brancas – respondeu o mecânico chefe.

– Bem, senhor Samuel Mark, você irá à redação cientifica, serviço meteorológico. Dirá a eles, de minha parte, que trabalhem no assunto das nuvens artificiais. Realmente não podemos continuar assim, à mercê do tempo.

Após haver acabado a inspeção das diversas divisões do jornal, Francis Benett passou à sala de recepção, onde o esperavam embaixadores e ministros plenipotenciários. Estes cavalheiros vinham buscar conselhos do todo-poderoso diretor. No momento em que Francis Benett entrava na sala estavam discutindo com certa animação.

– Que Vossa Excelência me perdoe – dizia o embaixador da França ao embaixador da Rússia –, mas para mim não há nada a alterar na mapa da Europa. O Norte para os eslavos, seja! Mas o Sul para os latinos! Nossa fronteira comum do Reno parece-me excelente. Além disso, veja bem, meu governo resistirá a qualquer manobra contra nossas prefeituras de Roma, Madrid e Viena.

– Bem dito – exclamou Francis Benett, interferindo no debate. – Por acaso, senhor embaixador da Rússia, não está satisfeito com seu vasto império, que se estende desde as margens do Reno até as fronteiras da China, um império cujo imenso litoral é banhado pelos oceanos Glacial, Atlântico, o Mar Negro, o Bósforo e o oceano Índico. Além disso, por que as ameaças? A guerra é possível com as invenções modernas, essas conchas asfixiantes enviadas a centenas de quilômetros, essas centelhas elétricas, de vinte léguas de comprimento, que podem destruir com um só golpe um exército inteiro, esses projéteis carregados com micróbios da peste, da cólera, da febre amarela e que destruiriam toda uma nação em poucas horas?

– Sabemos disso, senhor Benett – respondeu o embaixador russo. – Mas podemos fazer o que queremos? Impulsionados pelos chineses na nossa fronteira oriental, devemos tentar, a qualquer custo, alguma ação em relação ao Ocidente...

– Isso é tudo, senhor? – disse Francis Benett em tom paternal. – Bem, já que o avanço chinês é um perigo para o mundo, pressionaremos o Filho do Céu. Ele terá que impor a seus súditos um limite de natalidade que não poderá ser ultrapassado, sob pena de morte. Um filho a mais? Um pai a menos! Isto compensará as coisas.

– Senhor cônsul – disse o diretor do Earth Herald, dirigindo-se ao representante inglês –, o que posso fazer pelo senhor?

– Muito, senhor Benett – respondeu este personagem, curvando-se com humildade. – Basta que seu jornal aceite iniciar uma campanha a nosso favor...

– Com que finalidade?

– Simplesmente para protestar contra a anexação da Grã-Bretanha aos Estados Unidos.

– Simplesmente?! – exclamou Francis Benett encolhendo os ombros. – Uma anexação de cento e cinquenta anos! Mas os senhores ingleses não se resignarão jamais a, por uma justa reviravolta no destino, tornar-se colônia americana? É loucura. Como é possível que seu governo acredite que eu iniciaria essa campanha antipatriótica?

– Senhor Benett., a doutrina de Monroe é toda a América para os americanos, você sabe, mas nada mais que a América, e não...

– Mas a Inglaterra é apenas uma das nossas colônias, senhor, uma das melhores, concordo, e não pense que vamos devolvê-la.

– Você se recusa?

– Recuso-me, e se insistir, provocaremos um casus belli apenas com a entrevista de um de nossos repórteres.

– Então é o fim! – murmurou abatido o cônsul. – O Reino Unido, Canadá e Nova Bretanha são dos americanos, as Índias dos russos, Austrália e Nova Zelândia delas mesmas! De tudo o que uma vez já foi da Inglaterra, o que nos resta? Nada!

– Nada não, senhor! – respondeu Francis Benett. – Resta-lhes Gibraltar!
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AMANHÃ AQUI NA BJV

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