Capítulo XII – As sondagens de Susquehanna

- Então, tenente, como vai a sondagem?

- Creio senhor que a operação está perto do fim - respondeu o Tenente Bronsfield - Mas quem havia de dizer que os encontraríamos em tal profundidade, tão perto de terra, a apenas uma centena de léguas da costa americana.

- Realmente, Bronsfield, é uma enorme depressão - concordou o Capitão Blomsberry - Neste local há um vale submarino escavado pela Corrente de Humboldt, que segue as costas da América até o Estreito de Magalhães.

- Estas grandes profundidades - prosseguiu o tenente - são bem pouco favoráveis à colocação dos cabos telegráficos. O ideal é uma planície lisa, como aquela em que assenta o cabo americano entre Valentia e a Terra Nova.

- Sem dúvida, Bronsfield. Mas, com sua licença, em que ponto estamos?

- Senhor - respondeu o tenente - neste momento, temos vinte e um mil e quinhentos pés de linha fora, e a bala da sonda ainda não tocou no fundo, porque, nesse caso, a sonda subiria por si própria.

- Engenhoso aparelho o do tal Brook - disse o Capitão Blomsberry - Com ele, obtêm-se sondagens de grande exatidão.

- Fundo! - gritou um dos timoneiros da proa, que vigiava a operação.

- Qual é a profundidade? - perguntou o Capitão Blomsberry - Qual é a profundidade?

- Vinte e um mil setecentos e sessenta e dois pés - respondeu o tenente, anotando o número na sua agenda.

- Bem, Bronsfield - disse o capitão – registrarei esse resultado no meu mapa. Agora, mande içar a sonda para bordo. É trabalho para várias horas. Entretanto, digam ao maquinista que acenda as fornalhas, a fim de que estejamos prontos para partir logo que terminem. São dez horas da noite, tenente. Vou-me deitar.

- Faz muito bem, senhor! - replicou cortesmente o Tenente Bronsfield.

O capitão da Susquehanna, um homem bom como poucos, e um humilde servidor dos seus oficiais, regressou ao camarote, tomou um gole de aguardente, o que mereceu do despenseiro intermináveis mostras de satisfação, deitou-se, não sem ter saudado o seu camareiro pelo modo como fazia a cama, e adormeceu profunda e pacificamente.

Eram então dez horas da noite. O décimo primeiro dia do mês de dezembro ia terminar numa magnífica noite.

A Susquehanna, corveta de quinhentos cavalos, da marinha dos Estados Unidos, procedia as sondagens no Pacífico, aproximadamente a cem léguas da costa americana, frente à alongada península que se destaca da costa do Novo México.

O vento amainara pouco a pouco. Não havia a menor perturbação nas camadas atmosféricas. A flâmula da corveta, imóvel, pendia inerte do mastaréu do joanete. 

O Capitão Jonathan Blomsberry - primo direto do Coronel Blomsberry, um dos membros mais ardentes do Clube do Canhão, que desposara uma Horschbidden, tia do capitão e filha de um honrado comerciante do Kentucky - o Capitão Blomsberry, dizíamos, não poderia ter desejado melhor tempo para levar a bom termo as delicadas operações de sondagem. A sua corveta nem mesmo tinha sentido a enorme tempestade que, varrendo as nuvens amontoadas sobre as Montanhas Rochosas, havia de permitir que se observasse a marcha do famoso projétil. Tudo corria de feição, e ele, com o fervor de um presbiteriano, não se cansava de agradecer ao Céu essa graça.

A série de sondagens levadas ao cabo pela Susquehanna tinha por fim reconhecer os fundos mais propícios ao estabelecimento de um cabo submarino, que devia ligar as ilhas Havaí à costa americana.

Era um importante projeto, devido à iniciativa de uma poderosa companhia, cujo diretor, o inteligente Cyrus Field, planejara dotar todas as ilhas da Oceânica com uma vasta rede elétrica; empreitada grandiosa e digna do gênio americano.

À corveta Susquehanna estavam justamente confiadas as primeiras operações de sondagem. Durante a noite de 11 para 12 de dezembro a sua posição era exatamente a seguinte: 270 7' de latitude norte e 410 37' de longitude a oeste do meridiano de Washington.

A Lua, na altura no último quarto, despontava no horizonte. Depois da retirada do Capitão Blomsberry, o Tenente Bronsfield reuniu-se com outros oficiais no tombadilho. O aparecimento da Lua fez com que devotassem todos os seus pensamentos ao astro, que os olhos de um hemisfério inteiro então contemplavam. Os melhores binóculos de marinha não poderiam descortinar o projétil que errava em torno do globo lunar. Contudo todos estavam assestados na direção do disco cintilante, que milhões de olhares miravam ao mesmo tempo.

- Partiram há dez dias - disse em dado momento o Tenente Bronsfield. - Que lhes terá acontecido?

- Chegaram ao destino, meu tenente! - exclamou um jovem aspirante -, e fazem o que faz todo o viajante que chega a um novo país: passeiam!

- Estou certo disso, visto que é você que me diz, meu jovem amigo - comentou, sorridente o Tenente Bronsfield.

- No entanto - continuou outro oficial - não se pode pôr em dúvida que chegaram. OI projétil deve ter atingido a Lua no momento em que estava cheia, na meia-noite do dia cinco: Estamos a 11 de dezembro, o que perfaz seis dias. Ora, seis vezes vinte e quatro horas, sem obscuridade, há tempo de sobra para uma pessoa se instalar confortavelmente.

“Parece que estou vendo os nossos corajosos viajantes acampados no fundo de um vale, na margem de um rio lunar, perto do projétil semi enterrado nos fragmentos vulcânicos: o Capitão Nicoles começando as suas operações de nivelamento, o Presidente Barbicane a passar a limpo as notas de viagem e Michel Ardan a perfumar as solidões lunares com o aroma das suas cigarrilhas.”

- Sim, deve ter sido assim; foi assim! - exclamou o jovem aspirante, entusiasmado com a bela descrição do superior.

Fonte: http://jv.gilead.org.il/rpaul/


- Quero acreditar nisso - declarou o Tenente Bronsfield, que não se entusiasmava tão facilmente.

- Infelizmente, nunca teremos notícias diretas do mundo lunar.

- Perdão, meu tenente - objetou o aspirante - então o Presidente Barbicane não pode escrever?

Uma gargalhada geral acolheu esta pergunta.

- Não me refiro a cartas - precisou vivamente o jovem

- Então se refere as linhas telegráficas? - inquiriu ironicamente um dos oficiais.

- Também não - respondeu o aspirante, que não desarmava. - Mas é fácil estabelecer comunicações gráficas com a Terra.

- Ah, sim! E como?

- Através do telescópio de Long’s Peak. Bem sabe que ele pode aproximar a Lua a duas léguas das Montanhas Rochosas, o que permite ver na superfície lunar objetos que tenham nove pés de diâmetro. Pois bem; bastava que os nossos engenhosos amigos construíssem um gigantesco alfabeto! Que escrevessem palavras de cem toesas de comprimento e frases de uma légua, para poderem enviar-nos notícias.

O jovem aspirante foi ruidosamente aplaudido, já que imaginação não lhe faltava. O próprio Tenente Bronsfield acabou por concordar que a idéia até era realizável, e acrescentou que, através da emissão de feixes de raios luminosos, por meio de espelhos parabólicos, se conseguiria também estabelecer comunicações diretas. De fato, esses raios seriam tão visíveis em Vênus e Marte como o é da Terra o planeta Netuno. Acabou por dizer que os pontos brilhantes já observados nos planetas mais próximos poderiam muito bem ser sinais feitos à Terra.

Contudo, observou ainda que, se por aquele meio pudessem conseguir notícias do mundo lunar, não era possível enviar para lá notícias do mundo terrestre, a menos que os selenitas tivessem à sua disposição instrumentos apropriados às observações a grande distância.

- Evidentemente - volveu um dos oficiais - Mas o que sobretudo nos deve interessar é o que aconteceu aos viajantes, o que fizeram e o que viram. Se a experiência for coroada de êxito, do que não duvido, será repetida. O columbiad continua embutido no solo da Flórida. É apenas uma questão de pólvora e de projéteis, e todas as vezes que a Lua passar pelo zênite poder-se-lhe-á enviar um “carregamento” de visitantes.

- O evidente - disse o Tenente Bronsfield - é que J.T. Maston irá juntar-se, um destes dias, aos seus amigos.

- Se ele me quiser - garantiu o aspirante - estou pronto para acompanhá-lo.

- Oh! Vejo que voluntários não faltarão - replicou Bronsfield.

- Metade dos habitantes da Terra, se fosse possível, teria em breve emigrado para a Lua!

Esta conversa entre os oficiais da Susquehanna prolongou-se até muito perto da uma hora da manhã. Seria difícil relatar os assombrosos sistemas, as espantosas teorias que foram emitidas por aqueles audaciosos espíritos. Depois da experiência que Barbicane intentara, nada parecia impossível aos americanos. Já projetavam expedir não uma co- missão de sábios, mas uma colônia inteira, e um exército completo, com infantaria, artilharia, para conquistar o mundo lunar.

À uma hora da manhã, a sonda ainda não estava completamente içada. Faltavam dez mil pés, o que requeria ainda um trabalho de várias horas. Tal como o comandante havia ordenado, as fornalhas haviam sido acessas, e a pressão subia. A Susquehanna poderia partir no mesmo instante.

Naquele momento - era uma hora e dezessete minutos da manhã - dispunha-se o Tenente Bronsfield a deixar o tombadilho e a se recolher ao seu camarote, quando um silvo longínquo e perfeitamente inesperado lhe despertou a atenção.

Ele e os camaradas começaram por atribuir aquele silvo a uma fuga de vapor. Mas, levantando a cabeça, aperceberam-se de que tal rumor se produzia nas camadas mais elevadas da atmosfera.

Não tiveram tempo para se interrogar. O silvo ganhara uma assustadora intensidade, e de súbito apareceu-lhes, diante dos olhos deslumbrados, um enorme bólide, inflamado pela velocidade da queda e pelo atrito nas camadas atmosféricas.

A massa ígnea avolumou-se, caiu com barulho sobre o gurupés da corveta, partindo-o rente pela roda da proa, e afundou-se nas ondas com um rumor de ensurdecer.

Alguns pés mais perto e a Susquehanna se precipitaria sobre o abismo oceânico com vidas e bens.

Nesse instante, o Capitão Blomsberry apareceu semi-vestido e, precipitando-se para o castelo da proa, para onde tinham corrido os oficiais, perguntou:

- Com licença, meus senhores: O que aconteceu?

E o aspirante, fazendo-se por assim dizer eco de todos, exclamou:

- Meu comandante, eles voltaram!

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