Não está esquecida, decerto, a enorme simpatia que envolvera os três viajantes durante sua partida. Se no começo da empreitada causaram tal emoção no Velho e no Novo Mundo, qual seria o entusiasmo que os esperava no regresso? Aqueles milhões de espectadores que na altura invadiram a península da Flórida não se precipitariam para rever os sublimes viajantes? Aquelas legiões de estrangeiros, que acorreram de todos os pontos do Globo às costas americanas, deixariam porventura o território da União sem voltarem a ver Barbicane, Nicoles e Michel Ardan? Não, e a ardente paixão do público iria com certeza corresponder à grandeza da experiência.
Essas criaturas humanas que tinham deixado o esferóide terrestre e que regressavam depois dessa estranha viagem pelos espaços celestes, não podiam deixar de ser recebidos como o será, um dia, o profeta Elias quando voltar a descer na Terra.
Vê-los primeiro, ouvi-los depois, tal era o desejo de todos. E este desejo seria em breve realizado pela grande maioria dos habitantes da União.
Barbicane, Michel Ardan, Nicoles e os delegados do Clube do Canhão, que regressaram sem demora a Baltimore, foram ali acolhidos com um entusiasmo indescritível. Os relatórios de viagem do presidente Barbicane estavam prontos para ser entregues à publicidade.
O New York Herald comprou o manuscrito por um preço ainda desconhecido, mas cuja importância foi com certeza muito elevada. De fato, durante a publicação da ‘Viagem à Lua’, a tiragem daquele jornal ascendeu a cinco milhões de exemplares. Três dias depois do regresso dos viajantes à Terra, os pormenores mais insignificantes da expedição eram conhecidos. Restava apenas ver os heróis da aventura sobre-humana.
A exploração de Barbicane e dos seus amigos à volta da Lua permitira pôr à prova as diversas teorias admitidas no que diz respeito ao satélite terrestre. Aqueles sábios tinham observado o satélite em condições muito particulares. Sabia-se agora quais os sistemas que deviam ser rejeitados e quais os que deviam ser admitidos, no que se refere a formação, à origem e à habitabilidade daquele astro. O seu passado, o seu presente e o seu futuro tinham mesmo desvendado os seus últimos segredos.
Como se podia objetar a essas observações, sabendo-se que haviam feito, a menos de quarenta quilômetros, um levantamento dessa curiosa Montanha de Ticho, a mais estranha do sistema orográfico lunar? Que responder àqueles sábios, cujos olhares mergulharam nos abismos do Círculo de Platão? Como contradizer aqueles audaciosos aventureiros, que os acasos de uma experiência levaram acima dessa face invisível do disco, que até então nenhum olhar humano vira? Cabia-lhes agora o direito de impor os limites a essa ciência selenográfica que recompusera o mundo lunar, como Cuvier o esqueleto de um fóssil, e de dizer: “A Lua foi um mundo habitável e habitado antes da Terra! A Lua é um mundo inabitável e agora desabitado!”
Para festejar o regresso do mais ilustre dos seus membros e dos seus dois companheiros, o Clube do Canhão pensou em organizar um banquete, mas um banquete digno daqueles triunfadores, digno do povo americano, e em tais condições que todos os habitantes da União pudessem tomar parte nele.
Todos os grandes terminais de estradas de ferro foram ligados entre si por meio de carris volantes. Depois, em todas as gares, embandeiradas com as mesmas bandeiras, decoradas com os mesmos ornatos, armaram-se mesas uniformemente guarnecidas. Em horas determinadas, calculadas com exatidão e indicadas em relógios elétricos que estavam certos até nos segundos, a população foi convidada a tomar lugar às mesas do banquete.
Durante quatro dias, de 5 a 9 de janeiro, os trens pararam, como é normal acontecer aos domingos na União, e todas as vias ficaram livres. Só à uma locomotiva muito rápida, que puxava um vagão de honra, foi permitido circular durante aqueles quatro dias nas linhas das estradas de ferro dos Estados Unidos.
Na locomotiva, conduzida por um maquinista e o foguista, ia também, por especial deferência, o digno J. T. Maston, secretário do Clube do Canhão.
O vagão fora reservado ao Presidente Barbicane, ao Capitão Nicoles e a Michel Ardan. Ao silvo da máquina, depois dos urras e de todas as onomatopéias de admiração da língua nativa, o trem deixou a gare de Baltimore, atingindo em breve uma velocidade de oitenta léguas por hora. Mas o que era esta velocidade comparada com, a que alcançaram os três heróis ao sair do columbiad?
Desse modo, foram de uma cidade a outra encontrando as populações à mesa, que os saudavam com as mesmas aclamações e os mesmos bravos. Percorreram o Leste da União, atravessando a Pensilvânia, o Connecticut, o Massachussetts, o Vermont, o Maine e a Nova Brunswick;
O Norte e o Oeste, passando por Nova Iorque, Ohio, Michigan e Wisconsin; desceram para o Sul pelo Ilinóis, Missuri, Arkansas, Texas e Luisiana; correram ao Sudeste pelo Alabama e a Flórida; voltaram a subir pela Geórgia e pelas Carolinas; visitaram o centro pelo Tennessee, Kentucky, Virgínia e Indiana; e, finalmente, uma vez passada a estação de Washington, regressaram a Baltimore.
Durante quatro dias, puderam os três amigos acreditar que os Estados Unidos estavam à mesa de um único e enorme banquete, para saudá-los em uníssono e com os mesmos urras!
A apoteose era digna daqueles heróis que a Fábula teria guindado às fileiras dos semideuses.
Contudo, conduzirá a algum resultado prático essa experiência sem precedentes nos anais das viagens? Serão estabelecidas comunicações diretas com a Lua? Se criará um serviço de navegação através do espaço, para servir a circulação no mundo solar? Se deslocaria de um planeta a outro, de Júpiter a Mercúrio, ou, mais tarde, de uma estrela a outra, da Polar a Sírio? Descobrir-se-á um meio de locomoção que permita visitar esses sóis que abundam no firmamento?
Estas perguntas ninguém poderá responder.
Mas, conhecendo-se o audacioso engenho da raça anglo-saxônica, ninguém por certo se espantará que se os americanos procurarem tirar o melhor partido da experiência do Presidente Barbicane.
Fonte: http://jv.gilead.org.il/rpaul/ |
A verdade é que, algum tempo depois do regresso dos viajantes, o público acolheu muito favoravelmente os anúncios de uma sociedade em comandita, com um capital de cem milhões de dólares, dividido em cem mil ações de mil dólares cada.
Denominava-se Sociedade Nacional de Comunicações Interestelares e tinha Barbicane por presidente, o Capitão Nicoles por vice-presidente, J. T. Maston por secretário da administração e Michel Ardan por diretor da circulação.
E como, no que se refere a negócios, o temperamento americano gosta de prever tudo, até mesmo a falência, foram antecipadamente designados para juiz-comissário o digníssimo Harry Troloppe e Francis Dayton para síndico!
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