Capítulo VIII – O hemisfério Meridional

O projétil acabava de escapar a um terrível e imprevisto perigo. Quem poderia imaginar que viessem a encontrar-se com essas bólides? Esses corpos errantes podiam pôr os viajantes em sérios perigos. Eram, para eles, outros tantos perigos disseminados por aquele mar etéreo, aos quais, ao contrário dos navegadores, não podiam fugir.

Mas acaso se queixavam aqueles aventureiros do espaço? Não, visto que a natureza lhes proporcionara o esplêndido espetáculo da explosão de um meteoro cósmico, e esse incomparável fogo de artifício, que nenhum saberia imitar, iluminara durante alguns segundos a face oculta da Lua. Através dessa rápida vista, apareceram continentes, mares e florestas.

Emprestaria, portanto, a atmosfera as suas moléculas vivificantes àquela face desconhecida? Problema ainda sem solução, eternamente posto à curiosidade humana!

Eram então três horas e meia da tarde. O projétil prosseguia a sua órbita em volta da Lua. Teria o meteoro lhe modificado a trajetória? Havia motivos para receá-lo. Todavia, o projétil devia descrever uma curva rigorosamente submetida às leis da mecânica racional.

Barbicane continuava a pensar que essa curva era uma parábola e não uma hipérbole. No entanto, se esta hipótese se confirmasse, o projétil deveria sair muito rapidamente do cone de sombra projetado no espaço do lado oposto do Sol. Realmente, esse cone é muito estreito, tão pequeno é o diâmetro angular da Lua quando comparado com o do astro do dia. Ora, até esse momento, o projétil vagara na sombra profunda. Qualquer que fosse a sua velocidade - e não podia ser pequena - o período de ocultação persistia.

Este era um fato evidente, mas que talvez não devesse ocorrer no suposto caso da trajetória rigorosamente parabólica. Mais um problema para atormentar o cérebro de Barbicane, verdadeiramente aprisionado num círculo de incógnitas de que não conseguia desembaraçar-se.

Nenhum dos viajantes pensava em repousar. Todos aguardavam que algum fato inesperado viesse lançar uma nova luz sobre as suas curiosidades. Cerca das cinco horas, Michel Ardan distribuiu, à maneira de jantar, alguns pedaços de pão e carne fria, que foram engolidos rapidamente pelos três amigos, sem que nenhum abandonasse, por um instante sequer, as vigias, cujos vidros se embaciavam incessantemente com a condensação dos vapores.

Às cinco horas e quarenta e cinco minutos da tarde, Nicoles, de binóculo assestado, assinalou nas proximidades do bordo meridional da Lua e na direção seguida pelo projétil alguns pontos brilhantes, que se destacavam da sombria cortina do céu. Pareciam com uma sucessão de pontos afilados,dispostos numa linha sinuosa. Estavam vivamente iluminados.

Assim aparece o lineamento terminal da Lua. Não havia engano. Não se tratava já de um simples meteoro: aquela aresta luminosa não apresentava nem a cor nem a mobilidade próprias desses corpos errantes. Muito menos, seria um vulcão em atividade. Desse modo, Barbicane não hesitou em exclamar:

- O Sol!

- Quê? O Sol? - perguntaram Nicoles e Michel Ardan.

- Sim, meus amigos, é o próprio astro radiante que ilumina os cimos daquelas montanhas situadas no bordo meridional da Lua. É evidente que trata-se do pólo sul.

- Depois de termos passado pelo pólo norte... - murmurou Michel - Isto quer dizer que demos a volta ao nosso satélite!

- Sim, meu caro Michel.

- E que já não temos que recear as tais hipérboles, parábolas ou outras curvas abertas.

- Não. Agora a curva é fechada.

- Como se chama?...

- Eclipse. Em vez de se perder nos espaços interplanetários, é provável que o projétil comece a descrever uma órbita elíptica em volta da Lua.

- É verdade!

- E que se transforme em satélite.

- Lua da Lua! - exclamou Michel Ardan.

- Contudo, convém que saibas, meu bom amigo - avisou Barbicane - que nem por isto ficamos em melhor situação!

- Sim, mas de outra maneira, bem mais agradável! - rematou o despreocupado francês, com o mais agradável dos sorrisos.

O Presidente Barbicane tinha razão. Ao descrever uma órbita elíptica, o projétil ia, sem dúvida, gravitar eternamente à volta da Lua, como um sub-satélite. Seria um novo astro do mundo solar, um microcosmo povoado por três habitantes, que, dentro em pouco, pereceriam por falta de ar.

Barbicane não podia, portanto, contentar-se com tal situação imposta ao projétil pela dupla influência das forças centrípeta e centrífuga. Ele e os companheiros iam rever a face iluminada do disco lunar. Talvez que a existência se lhes prolongasse o bastante para poderem uma última vez ver a terra cheia, soberbamente iluminada pelos raios de Sol! Talvez pudessem dizer um último adeus àquele Globo que não deviam voltar a avistar! Depois, o projétil não seria mais do que uma massa extinta, morta, semelhante a esses inertes asteróides que circulam no éter. Uma única consolação lhes restava: iam deixar enfim aquelas insondáveis trevas e voltar à luz, às zonas banhadas pela irradiação solar!

Entretanto, as montanhas que Barbicane reconhecera iam-se destacando cada vez mais da massa escura. Eram os Montes Doerfel e Leibniz que se elevam ao sul da região circumpolar da Lua.

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