Sob o ponto de vista astronômico, era dia na parte inferior do projétil e noite na parte superior. Sempre que se utilizar os termos “noite” e “dia”, eles visam exprimir o lapso de tempo que transcorre entre o nascer e o por do Sol na Terra.
O sono dos viajantes foi tão sossegado quanto a ilusão da imobilidade do projétil parecia ser um fato irrecusável, isto apesar da extraordinária velocidade que possuía.
Naquela manhã do dia 3 de dezembro, os viajantes despertaram com um som alegre, mas inesperado. O canto de um galo ressoara no interior do projétil.
Michel Ardan foi o primeiro a pôr-se de pé. Trepou ao topo do projétil e, fechando uma caixa entreaberta, disse entre dentes:
- Vê se te calas! Queres botar a perder os meus planos? Nicoles e Barbicane tinham também acordado.
- Um galo? - surpreendera-se Nicoles.
- Não, meus amigos! - apressou-se a responder Michel - Fui eu que quis despertá-los com esta vocalização de sabor campestre!
Dito isto, soltou um cocorocó esplêndido, que teria feito honra ao mais orgulhoso dos galináceos.
Os dois americanos não conseguiram conter o riso.
- Grande talento... - comentou Nicoles, olhando o companheiro com um ar de suspeita.
- Bem, sabem... - explicou Michel - é uma brincadeira da minha terra. Muito gaulesa. Imita-se o galo na melhor sociedade! E mudando de assunto: Barbicane, sabes em que pensei toda a noite?
- Como queres que saiba? - perguntou Barbicane.
- Nos nossos amigos de Cambridge. Já reparaste que sou um perfeito ignorante no que diz respeito a matemática. Me é, portanto, impossível imaginar como puderam os sábios do observatório calcular a velocidade inicial de que o projétil deveria ser animado ao deixar o columbiad a fim de conseguir alcançar a Lua.
- Queres dizer - replicou Barbicane - para atingir o ponto neutro em que se equilibram as atrações terrestres e lunares, porque a partir desse ponto, situado a cerca de nove décimos do percurso, o projétil há de cair na Lua apenas pelo efeito do seu próprio peso.
- Pois é, creio que seja assim – prosseguiu Michel - mas, insisto, como puderam eles calcular a velocidade inicial?
- Nada mais simples... - respondeu Barbicane.
- Queres dizer que tu mesmo eras capaz de fazer esse cálculo?
- Com toda a certeza. Nicoles e eu tê-lo-íamos estabelecido, se a nota do observatório não nos tivesse poupado esse trabalho.
- Pois bem, meu velho - confessou Michel - a mim era mais fácil cortar-me a cabeça, começando pelos pés, do que me obrigarem a resolver tal quebra-cabeças!
- Ora, porque não sabes álgebra - replicou tranquilamente Barbicane.
- Podes, por fim, me ensinar a maneira de calcular a velocidade inicial do nosso projétil?
- Sim, meu bom amigo. Considerando todos os dados do problema, distância do centro da Terra ao centro da Lua, raio da Terra, massa da Terra e massa da Lua, posso estabelecer exatamente, através de uma simples fórmula, a velocidade que devia ter animado à partida o nosso projétil.
O capitão, homem habituado a superar todas as dificuldades, pôs-se a fazer contas com uma rapidez espantosa. Divisões e multiplicações nasciam-lhe sob o lápis. Os algarismos crivavam a página branca. Barbicane seguia a operação com os olhos, enquanto Michel Ardan apertava a cabeça com as mãos para tentar minorar os efeitos de uma enxaqueca que começava a perturbá-lo.
- E então? - perguntou Barbicane, depois de alguns minutos de silêncio.
- Então, concluídos os cálculos - respondeu Nicoles - a velocidade do projétil ao sair da atmosfera, para poder atingir o ponto de igual atração, devia ser de...
- De?... - fez Barbicane.
- De onze mil e cinquenta e um metros no primeiro segundo.
- Hem? - exclamou Barbicane, dando um pulo - O que diz? Onze mil e cinquenta e uni metros.
- Maldição! - bradou o presidente, fazendo um gesto de desespero.
- Que é que te deu? - perguntou muito surpreendido Michel Ardan.
- O que é que me deu! Deu-me que, se naquele momento a velocidade houvesse diminuído de um terço, isto significa que a velocidade inicial deveria ter sido de...
- De dezesseis mil quinhentos e setenta e seis metros - precisou Nicoles
- E o Observatório de Cambridge garantiu que onze mil metros à partida seriam suficientes! Bonito serviço! E o nosso projétil, que foi disparado apenas com essa velocidade!
- E então? - perguntou Nicoles.
- Então a velocidade não é suficiente!
- Não é suficiente?...
- Não, nem chegaremos ao ponto neutro!
- Com a breca!
- Nem sequer a meio do caminho!
- Raio de projétil! - vociferou Michel Ardan, saltando como se estivessem a ponto de chocar com o esferóide terrestre.
- E voltaremos a cair na Terra!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
A Biblioteca Júlio Verne se esforça muito para disponibilizar aos nossos leitores sempre as melhores obras.
Para que possamos fazer cada vez mais e melhor, gostaríamos de saber a sua opinião. Críticas e sugestões são sempre bem-vindas. Enfim, diga-nos o que achou do nosso trabalho!