Barbicane não desperdiçava um só instante. Inicialmente reuniu os colegas nos escritórios do Clube do Canhão e, após várias discussões, concordaram em consultar os astrónomos sobre a parte astronómica do empreendimento. Uma nota muito precisa, contendo perguntas específicas, foi redigida e dirigida ao Observatório de Cambridge, em Massachusetts. Essa cidade é tida como célebre pelo seu observatório astronómico. Ali se encontram reunidos cientistas do mais alto mérito; também funciona lá o potente telescópio que permitiu a Bond detectar a nebulosa de Andrômeda e a Clarke descobrir o satélite de Sírio.
Assim, dois dias depois, a resposta tão impacientemente esperada chegava às mãos do Presidente Barbicane:
"Cambridge, 7 de outubro.
Do diretor do Observatório de Cambridge ao presidente do Clube do Canhão.
Logo que recebemos a vossa estimada carta de 6 do corrente, dirigida ao Observatório de Cambridge, em nome dos membros do Clube do Canhão, de Baltimore, o nosso gabinete reuniu-se imediatamente e julgou oportuno responder. Em resumo:
1 - O canhão deverá ser instalado numa região situada entre o equador e o grau 28 de latitude norte ou sul.
2 - Deverá ser apontado para o zênite do lugar.
3 - O projéctil deverá ser animado de uma velocidade inicial de doze mil jardas por segundo.
4 - Deverá ser lançado no dia 1 de dezembro do próximo ano, às dez horas e quarenta e seis minutos e quarenta segundos.
5 – O projéctil chegará à Lua quatro dias após a sua partida, precisamente à meia-noite do dia 4 de dezembro, no momento em que o astro passa pelo zénite.
Os membros do Clube do Canhão devem, portanto, começar sem demora os trabalhos necessários para tal empreendimento, de tal ordem a estarem prontos a operar no momento determinado, pois, se deixarem passar essa data de 4 de dezembro, não voltarão a encontrar a Lua nas mesmas condições em relação ao perigeu e ao zénite senão dezoito anos e onze dias depois.
O gabinete do Observatório de Cambridge põe-se inteiramente à vossa disposição para as questões de astronomia teórica, e pela presente expõe as suas felicitações às da América inteira.
Pelo gabinete, J. M. Belfast
Diretor do Observatório de Cambridge."
O Observatório de Cambridge tinha, na sua memorável carta, estudado a questão do ponto de vista astronômico; Chegou o momento de examinar os meios mecânicos, sem nada negligenciar, para assegurar o êxito dessa grande experiência. As eventuais dificuldades práticas pareceriam intransponíveis em qualquer outro país que não fosse a América. Ali não passaram de brincadeira.
O Presidente Barbicane nomeara, sem perda de tempo, uma comissão de execução dentro do Clube do Canhão. Essa comissão devia, em três sessões, elucidar as três grandes questões do canhão, do projéctil e da pólvora; essa comissão era formada por quatro membros, todos muito sábios nessas matérias: Barbicane, com direito a voto de desempate no caso de as opiniões colidirem; o General Morgan, o Major Elphiston e, por fim, o inevitável J. T. Maston, ao qual foram confiadas as funções de secretário-relator.
No dia 8 de outubro reuniu-se a comissão em casa do Presidente Barbicane. Já que era importante que o estômago não perturbasse com os seus impérios os apelos de tão séria discussão, os quatro membros do Clube do Canhão tomaram lugar a uma mesa coberta de sanduiches e de grandes bules de chá. Em seguida, J. T Maston atarraxou a caneta ao gancho de ferro que lhe servia de mão e Barbicane tomou a palavra:
- Meus caros colegas - disse - temos de resolver um dos mais importantes problemas da balística, essa ciência, por excelência, que trata dos movimentos dos projécteis, isto é, dos corpos lançados no espaço por determinada força de impulsão, sendo depois abandonados a si próprios.
- Oh! A balística! A balística! - exclamou J. T. Maston, com voz comovida.
- Talvez possa parecer mais lógico - continuou Barbicane - consagrar esta primeira sessão à discussão de engenho... No entanto, após maduras reflexões, pareceu-me que a questão do projéctil devia antecipar-se à do canhão e que as dimensões deste se subordinariam às daquele.
J. T. Maston pediu a palavra com a deferência que o seu prestigioso passado lhe garantia.
- Meus caros amigos - disse, num tom inspirado - o nosso presidente tem razão em dar à questão do projéctil primazia sobre todas as outras! Essa bala que vamos enviar para a Lua é a nossa mensageira, a nossa embaixadora, e peço-lhes licença para considerá-la de um ponto de vista puramente moral - Essa nova maneira de encarar um projéctil despertou singularmente a curiosidade dos outros membros da comissão, e por isso eles prestaram a mais viva atenção às palavras de J. T. Maston.
Meus caros colegas - continuou este último - Deixarei de lado a bala física, a bala que mata, para ver apenas a bala matemática, a bala moral. A bala é para mim a mais deslumbrante manifestação do poder humano; é nela que se resume esse poder por inteiro; foi criando-a que o homem se aproximou mais do Criador!
- Muito bem! - apoiou o Major Elphiston.
- Realmente - exclamou o orador - se Deus fez as estrelas e os planetas, o homem fez as balas, essas miniaturas dos astros errantes do espaço, e que são afinal, para falar a verdade, apenas projécteis! A Deus coube criar a velocidade da eletricidade, a velocidade da luz, a velocidade das estrelas, dos cometas, dos satélites, a velocidade do som, a velocidade do vento. Mas a nós, os homens, pertence a velocidade da bala, cem vezes superior à das locomotivas e dos mais rápidos cavalos.
J. T. Maston sentia-se transportado pela emoção; a sua voz tomava acentos líricos cantando esse hino à bala.
- Querem números? - continuou. - Eis alguns e bem eloquentes! Tratemos simplesmente da modesta bala de vinte e quatro libras: se tem uma velocidade oitocentas mil vezes menor do que a da eletricidade, seiscentas e quarenta vezes menor do que a da luz, setenta e seis vezes menor do que a da Terra no seu movimento de translação em redor do Sol, mas que, no entanto, ao sair do canhão, ultrapassa a velocidade do som, percorre duzentas toesas por segundo, duas mil toesas em dez segundos, quatorze milhas por minuto, oitocentas e quarenta milhas por hora, vinte mil e cem milhas por dia, isto é, 7.568.640 milhas por ano, ou seja, a velocidade dos pontos do equador no movimento de rotação do Globo. Levaria, portanto, onze dias a chegar à Lua, doze anos para atingir o Sol, trezentos e sessenta anos para atingir Netuno, nos limites do sistema solar. Eis o que faria essa modesta bala, obra das nossas mãos! Que sucederá então quando, tornando essa velocidade vinte vezes maior, nós a lançarmos com a rapidez de sete milhas por segundo. Ah, Bala esplêndida! Soberbo projéctil! Exulto ao pensar que serás recebida lá em cima com todas as honras de um embaixador terrestre!
Vivas acolheram este retumbante discurso, e J. T. Maston, muito comovido, sentou-se no meio das felicitações dos seus colegas.
- E agora - disse Barbicane - que concedemos uma larga parte da nossa sessão à poesia, ataquemos a questão diretamente. Já sabemos qual é o problema a resolver. Trata-se de imprimir a um projéctil uma velocidade de doze mil jardas por segundo. Tenho razões para pensar que conseguiremos fazê-lo. Mas observemos por agora as velocidades obtidas até hoje; o General Morgan poderá esclarecer-nos a esse respeito.
- Muito facilmente - respondeu o general - pois fui durante a guerra membro da comissão de experiências. Dir-lhes-ei, portanto, que os canhões de cem de Dahlgreen, que tinham um alcance de duas mil e quinhentas toesas, imprimiram ao seu projéctil uma velocidade inicial de quinhentas jardas por segundo.
- Bem, e o columbiad de Rodman? - perguntou o presidente.
- O columbiad Rodman, experimentado no Forte de Hamilton, perto de Nova Iorque, lançava uma bala, que pesava meia tonelada, a uma distância de seis milhas, com uma velocidade de oitocentas jardas por segundo, resultado que Armstrong e Palliser nunca obtiveram na Inglaterra...
- Oh! Os ingleses! - exclamou J. T. Maston, apontando para o horizonte o seu temível gancho.
- Portanto - disse Barbicane - essas oitocentas jardas foram a velocidade máxima atingida até hoje.
- Diria, no entanto - replicou J. T. Maston - que se o meu morteiro não tivesse explodido...
- Mas explodiu - disse Barbicane com um gesto benevolente - Tomemos, portanto, como ponto de partida a velocidade de oitocentas jardas. Será preciso torná-la vinte vezes mais rápida. Vamos reservar para outra sessão a discussão dos meios necessários para conseguir essa velocidade. Agora, chamarei a vossa atenção, caros colegas, sobre as dimensões que convém dar ao projéctil. Bem vêm que não se trata, no caso presente, de projécteis pesando no máximo meia tonelada!
- Por que não? - perguntou o major.
- Porque esse projéctil - replicou vivamente J. T. Maston - deve ser bastante grande para atrair as atenções dos habitantes da Lua, se eles de fato existirem.
- Sim - respondeu Barbicane -, e por outra razão ainda mais forte.
- Que quer dizer com isso, Barbicane? - perguntou o major.
- Digo que não basta enviarmos um projéctil e não nos ocuparmos mais dele; é preciso que o sigamos durante o seu percurso até o momento em que ele atingir o seu objetivo.
- O quê! - exclamaram ao mesmo tempo o general e o major, um pouco surpreendidos com a proposta.
- Sem dúvida. - respondeu Barbicane, muito seguro de si - do contrário a nossa experiência não obterá qualquer resultado.
- Mas então - replicou o major - vai dar a esse projéctil dimensões enormes?
- Não! Queiram ouvir-me: sabem que os instrumentos de óptica adquiriram uma grande perfeição; com certos telescópios já se conseguiu obter aumentos de seis mil vezes, e trazer a Lua para cerca de quarenta milhas. Ora, a essa distância, objetos com sessenta pés de lado são perfeitamente visíveis. Isso se já não se levou mais para diante o poder de penetração dos telescópios. E bem, esse poder se exerce em detrimento da sua nitidez, e a Lua, que não é mais do que um espelho refletor, não emite uma luz suficientemente intensa para que se possa admitiram simplificações que vão além desse limite.
- Pois bem! Que faremos agora? - perguntou o general. - Daremos ao nosso projéctil um diâmetro de sessenta pés?
- Não!
- Encarregar-se-á então de tornar a Lua mais luminosa?
- Perfeitamente!
- Esta é forte! - avaliou J. T. Maston.
- Sim; é muito ousado, mas também muito simples - respondeu Barbicane.- Realmente, se conseguirmos diminuir a espessura da atmosfera atravessada pela luz da Lua, poderemos tornar essa luz mais intensa.
- Evidentemente.
- Pois bem. Para obter esse resultado, nos bastará instalar um telescópio em qualquer montanha elevada. E é o que faremos.
- Rendo-me, rendo-me - disse o major. - Você tem tal modo de simplificar as coisas!... E que amplificação espera obter assim?
- Uma amplificação de quarenta e oito mil vezes, que trará a Lua para apenas cinco milhas, pelo que, para se tornarem visíveis, os objetos apenas terão necessidade de ter nove pés de diâmetro – esclareceu Barbicane.
- Perfeito! - exclamou J. T. Maston - O nosso projéctil terá, portanto, nove pés de diâmetro?
- Permita-me, no entanto, que lhe diga - continuou o Major Elphiston - que ele terá ainda um peso tal que...
- Olhe, major - respondeu Barbicane - Antes de discutir o peso do projéctil, deixe-me dizer-lhe que os nossos pais fizeram maravilhas nesse gênero. Longe de mim a idéia de que a balística não fez progressos, mas é bom sabermos que, desde a Idade Média, se obtêm resultados surpreendentes, ousarei mesmo dizer mais surpreendentes do que os nossos.
- Esta agora! - replicou Morgan.
- Justifique as suas palavras - disse vivamente J. T. Maston.
- Nada mais fácil - retorquiu Barbicane - Tenho exemplos que apóiam a minha afirmação. No cerco de Constantinopla, por Maomé II, em 1453, lançaram balas de pedra que pesavam mil e novecentas libras, pelo que deviam ter um bom tamanho.
- Oh! Oh! - exclamou o major - Mil e novecentas libras já é um número apreciável.
- Em Malta, no tempo dos cavaleiros, certo canhão do Forte Saint-Elme arremessava projécteis que pesavam duas mil e quinhentas libras. O que parece não ser possível.
- E por fim, segundo um historiador francês, no reinado de Luís XI, havia um morteiro que lançava bombas de quinhentas libras apenas; mas essas bombas, partindo da Bastilha, um lugar onde os loucos encerravam os ajuizados, iam cair em Charenton, um lugar onde os ajuizados encerravam os loucos.
- Muito bem! - disse J. T. Maston.
- Desde então o que vimos nós, afinal? Os canhões de Armstrong lançarem balas de quinhentas libras e os columbiads Rodman projécteis de meia tonelada! Parece, portanto, que se os projécteis ganharam em alcance perderam em peso. Ora, se nós pusermos todos os nossos esforços devemos conseguir, com os progressos da ciência, decuplicar o peso das balas de Maomé II e dos cavaleiros de Malta.
- É evidente - respondeu o major - Mas que metal tenciona então utilizar para o projéctil?
- Ferro fundido, muito simplesmente - disse o General Morgan.
- Ferro fundido! - exclamou J. T. Maston, com profundo desdém - Trata-se de uma coisa muito vulgar para uma bala destinada a ir à Lua.
- Não exageremos, meu estimado amigo. o ferro fundido chegará – respondeu Morgan
- Pois bem! - exclamou então o Major Elphiston - Visto que o peso é proporcional ao seu volume, uma bala de ferro fundido, medindo nove pés de diâmetro, terá ainda um peso espantoso! Isso se for maciça; não se for oca...
- Oca! Será então um obus?
- Onde se poderão meter cartas e amostras das produções terrestres?
- Sim, um obus - replicou Barbicane - É necessário que o seja; uma bala maciça de cento e oito polegadas pesaria mais de duzentas mil libras, peso evidentemente demasiado considerável; no entanto, como é necessário assegurar certa estabilidade ao projéctil, proponho que lhe demos um peso de cinco mil libras.
- Qual será então a espessura das paredes do projéctil? - perguntou o major.
- Se adotarmos as proporções regulamentares - continuou Morgan - um diâmetro de cento e oito polegadas exigiria paredes de pelo menos dois pés de espessura.
- Seria demasiado - respondeu Barbicane - repare bem que não se trata de uma bala destinada a perfurar chapas metálicas; bastar-lhe-á ter paredes suficientemente fortes para resistir à pressão dos gases da pólvora. Qual é portanto o problema? Que espessura deve ter um obus de ferro fundido para pesar apenas vinte mil libras? O nosso hábil calculador, o valente Maston, vai nos informar daqui a pouco.
- Nada mais fácil - replicou o estimado secretário da comissão. Ao dizer isto, traçou algumas fórmulas algébricas no papel. Disse por fim:
- As paredes deverão ter apenas duas polegadas de espessura.
- Será suficiente? - perguntou o major, com ar de dúvida.
- Não - respondeu o Presidente Barbicane - Evidentemente que não.
- Então que devemos fazer! - inquiriu Elphiston, com um ar bastante embaraçado.
- Utilizar outro metal diferente do ferro fundido.
- Cobre? - perguntou Morgan.
- Não; isso é ainda mais pesado. Tenho outra coisa melhor a propor-lhe -disse o presidente.
- O quê? - inquiriu o major.
- Alumínio - respondeu Barbicane.
- Alumínio?! - exclamaram os três colegas do presidente.
- Sem dúvida, meus amigos. Sabeis que um ilustre químico francês Henri Sainte-Claire Deville, conseguiu, em 1854, obter alumínio em massa compacta. Ora, esse precioso metal tem a brancura da prata, a inalterabilidade do ouro, a tenacidade do ferro, a fusibilidade do cobre e a leveza do vidro; trabalha-se facilmente e está muito disseminado na natureza, visto que forma a base da maior parte das rochas. É três vezes mais leve que o ferro, e parece ter sido criado expressamente para nos fornecer o material para o nosso projéctil!
- VIVA O ALUMÍNIO! - Exclamou o secretário da comissão, sempre muito barulhento nos seus momentos de entusiasmo.
- Mas, meu caro presidente - disse o major - o preço do alumínio não é extremamente elevado?
- Era - respondeu Barbicane - nos primeiros tempos da sua descoberta, uma libra de alumínio custava duzentos e oitenta dólares; depois baixou para vinte dólares, e hoje, finalmente, vale nove dólares.
- Mas a nove dólares por libra - replicou o major, que não cedia facilmente - é ainda um preço enorme!
- Sem dúvida, meu caro major, mas não é inacessível.
- Nesse caso quanto pesará então o projéctil? - perguntou Morgan.
- Eis o que resulta dos meus cálculos - respondeu Barbicane - uma bala de cento e oito polegadas de diâmetro e de doze polegadas de espessura pesaria, se fosse de ferro fundido, sessenta e sete mil quatrocentas e quarenta libras; em alumínio, o seu peso será reduzido a dezenove mil e duzentas e cinqüenta libras.
- Perfeito! Perfeito! - replicou o major - Mas não vê que a nove dólares por libra esse projétil custará...
- Cento e setenta e três mil duzentos e cinqüenta dólares, sei perfeitamente; mas não receiem nada, meus amigos, o dinheiro não faltará ao nosso empreendimento, asseguro-lhes.
- Há de chover dinheiro nos nossos cofres - afirmou J. T. Maston.
- Pois bem! Que pensam do alumínio? - perguntou o presidente.
- Adotado! - responderam os três membros da comissão.
- Quanto à forma do projétil - continuou Barbicane - importa pouco, visto que, uma vez ultrapassada a atmosfera, ele se encontrará no vácuo; proponho, portanto, a bala redonda, que girará sobre si mesma, se isso lhe agradar, comportando-se conforme ditar a sua real fantasia.
Terminou assim a primeira sessão da comissão; a questão do projétcil estava definitivamente resolvida, e J. T. Maston alegrou-se muito com a idéia de enviar um projétil de alumínio aos selenitas, “o que lhes daria uma excelente idéia dos habitantes da Terra”.
As resoluções tomadas nessa sessão produziram um grande efeito no exterior. Algumas pessoas mais tímidas assustavam-se um pouco com a idéia de uma bala pesando vinte mil libras ser lançada através do espaço. Perguntavam a si próprias que canhão poderia transmitir uma velocidade inicial suficiente para tal massa. A ata da segunda sessão da comissão devia responder a essas questões.
Fonte: http://jv.gilead.org.il/rpaul/ |
No dia seguinte à noite, os quatro membros do Clube do Canhão instalavam-se perante novas montanhas de sanduíches e à beira de um verdadeiro oceano de chá. A discussão retomou novamente o seu curso e dessa vez sem preâmbulos.
- Meus caros colegas - disse Barbicane - vamos ocupar-nos do engenho a ser construído, do seu comprimento, da sua forma, da sua composição e do seu peso. É provável que cheguemos a dar-lhe dimensões gigantescas; mas, por maiores que sejam as dificuldades, o nosso engenho industrial suplantará todas facilmente. Queiram, portanto, escutar-me e não poupem as objecções que tiverem a me fazer. Eu não receio!
- Não esqueçamos - continuou Barbicane - a que ponto a nossa discussão de ontem nos conduziu; o problema apresenta-se agora sob esta forma: imprimir uma velocidade inicial de doze mil jardas por segundo a um obus de cento e oito polegadas de diâmetro e com um peso de vinte mil libras.
- Vou continuar - disse Barbicane - Quando um projéctil é lançado no espaço, que se passa? É solicitado por três forças independentes: a resistência do meio, a atração da Terra e a força do impulso de que é animado.
- Examinemos essas três forças. A resistência ao meio, isto é, a resistência do ar, será pouco importante. Realmente, a atmosfera da Terra tem apenas quarenta milhas. Ora, com uma rapidez de doze mil jardas, o projéctil atravessá-la-á em cinco segundos, e o tempo é bastante curto para que a resistência do meio possa ser considerada como insignificante. Passemos, portanto, para a atração da Terra, isto é, para o peso do obus. Sabemos que esse peso diminuirá em razão inversa do quadrado das distâncias; realmente, eis o que a física nos ensina: quando um corpo inerte cai na superfície da Terra, a sua queda é de quinze pés no primeiro segundo, e se esse mesmo corpo fosse transportado a duzentas e cinquenta e sete mil cento e quarenta e duas milhas, ou, em outras palavras, à distância a que a Lua se encontra, a sua queda ficaria reduzida a uma meia linha, aproximadamente no primeiro segundo. É quase a imobilidade. Trata-se, portanto, de vencer progressivamente essa ação da gravidade. Como conseguiremos fazê-lo? Pela força do impulso.
- É esta a dificuldade! - disse o major.
- Realmente - replicou o presidente - mas nós triunfaremos, pois essa força de impulso que nos é necessária resultará do comprimento do engenho e da quantidade de pólvora utilizada, sendo esta apenas limitada pela resistência daquele. Portanto, ocupemo-nos hoje das dimensões a dar ao canhão. É claro que podemos instalá-lo em condições de segurança por assim dizer infinitas, visto que não há necessidade de o manobrar.
- Tudo isto é evidente - concordou o general.
- Até aqui - disse Barbicane - os canhões mais compridos, os enormes columbiad, não ultrapassaram os vinte e cinco pés de comprimento; vamos, portanto, espantar muita gente pelas dimensões que seremos forçados a adotar.
- Sem dúvida! - exclamou J. T. Maston - Por meu lado, peço um canhão de pelo menos meia milha de comprimento!
- Meia milha! - exclamaram o major e o general
- Sim, meia milha, e será ainda curto demais!
- Vamos, Maston - respondeu Morgan. - Exagerado.
- Nada disto - respondeu o ardente secretário - E não sei por que me chamam exagerado.
- Porque vai longe demais!
- Fique sabendo, senhor - respondeu J. T. Maston, tomando os seus grandes ares - fique sabendo que um artilheiro é exatamente como uma bala: nunca vai longe demais!
A discussão estava incidindo sobre as personalidades, mas o presidente interveio.
- Tenham calma, meus amigos, e raciocinemos; é evidente que é necessário um canhão de grande alcance, visto que o comprimento da peça aumentará a expansão dos gases acumulados sob o projétcil, mas é inútil ultrapassar certos limites.
- Perfeitamente - disse o major.
- Quais as regras estabelecidas em casos semelhantes? Vulgarmente, o comprimento de um canhão é de vinte a vinte e cinco vezes o diâmetro da bala, e pesa duzentas e trinta e cinco a duzentas e quarenta vezes o seu peso.
- Isto não é suficiente - declarou com impetuosidade J.T. Maston.
- Concordo, meu digno amigo, e, realmente, se nos cingirmos à proporção referida, para um projétcil de nove pés de largura pesando vinte mil libras, o engenho teria apenas um comprimento de duzentos e vinte e cinco pés e um peso de sete milhões e duzentas mil libras.
- É ridículo! - afirmou J. T. Maston - Mais valia usar uma pistola!
- Também penso massim - retorquiu Barbicane - é por isso que me proponho a quadruplicar esse comprimento e construir um canhão de novecentos pés. O general e o major fizeram algumas objecções; mas no entanto essa proposta, vivamente apoiada pelo secretário do Clube do Canhão, foi definitivamente adotada.
- Agora - disse Elphiston - que espessura vamos dar às paredes do canhão?
- Uma espessura de seis pés - respondeu Barbicane.
- Não pensa por certo em erguer semelhante massa em cima de um reparo. - disse o major.
- Isso é que devia ser soberbo! - exclamou J. T. Maston.
- Mas impraticável - disse Barbicane - Não, eu penso em moldar esse engenho no próprio solo, com arcos de ferro forjado, rodeando-o de um espesso revestimento de pedra e cal, de modoque adquira toda a resistência do terreno que o circunde. Uma vez a peça fundida, a alma será cuidadosamente polida e calibrada, de maneira a impedir o “vento” do projétil; desse modo, não haverá qualquer desperdício de gases, e toda a força expansiva da pólvora será utilizada, totalmente, no impulso.
- Viva! Viva! - disse J.T. Maston - Temos o nosso canhão!
- Ainda não - disse Barbicane, acalmando o seu impaciente amigo.
- E por quê?
- Porque não discutimos a sua forma. Será um canhão, um obus ou um morteiro?
- Um canhão! – opinou o Morgan
- Um obus! - replicou o major.
- Um morteiro! - exclamou J. T. Maston.
Iniciar-se nova discussão, bastante viva, pois cada um defendia a sua arma favorita, quando o presidente os interrompeu:
- Meus amigos - disse - vamos ficar todos de acordo; o nosso columbiad terá qualquer coisa de todas essas bocas de fogo. Será um canhão, visto que a câmara da pólvora terá o mesmo diâmetro que a alma, já que lançará obuses. E finalmente, será um morteiro, porque será apontado por um ângulo de noventa graus, e porque, sem recuo possível, inflexivelmente ligado ao solo, comunicará ao projétil toda a força de impulso acumulada dentro de si.
- Aprovado! Aprovado! - responderam todos os membros da comissão.
- Permitam-me uma simples reflexão - disse Elphiston - esse híbrido de canhão-obus-morteiro será realmente estriado?
- Não - respondeu Barbicane - não; precisamos de uma velocidade inicial enorme, e bem sabem que os projéteis saem menos velozes dos canhões estriados do que dos canhões com alma lisa. É isso mesmo.
- Finalmente, temos o nosso canhão! - exclamou Maston
- Ainda não é tanto assim - retorquiu o presidente.
- E por quê?
- Porque ainda não sabemos de que metal será feito - Vamos decidir isso sem demora. - Ia propor-lhes isso.
Os quatro membros da comissão engoliram cada um deles uma dúzia de sanduíches, seguida de uma xícara de chá, e a discussão recomeçou.
- Meus estimados colegas - disse Barbicane - o nosso canhão deve ter uma grande tenacidade, uma grande dureza, ser refratário ao calor, insolúvel e inoxidável pela ação corrosiva dos ácidos.
- Não há dúvida a esse respeito - respondeu o major - E, como será preciso utilizar uma quantidade considerável de metal, não havemos de hesitar muito na escolha.
- Pois bem - disse Morgan - proponho para o fabrico do columbiad a melhor liga conhecida até hoje, isto é, cem partes de cobre, doze de estanho e seis de latão.
- Meus amigos - respondeu o presidente - confesso que essa composição deu excelentes resultados; mas, neste caso, custaria cara demais e seu emprego seria muito difícil. Penso, portanto, que será preciso adotar um material adequado, mas que custe pouco, como o ferro fundido.
- Não é esta a sua opinião, major?
- Exatamente - respondeu Elphiston.
- Realmente - retorquiu Barbicane - o ferro fundido custa dez vezes menos do que o bronze; é fácil de manipular e molda-se bem em moldes de areia, representando assim economia de dinheiro e de tempo. De resto, é um material excelente, e eu lembro-me de que, durante a guerra, no cerco de Atlanta, algumas peças de ferro fundido dispararam mil tiros cada uma, de vinte em vinte minutos, sem sofrerem qualquer alteração.
- No entanto, o ferro fundido é muito quebradiço - observou Morgan.
- Sim, mas também é muito resistente; de resto, o canhão não explodirá.
- Pode haver o azar de uma explosão, embora tudo tenha sido feito com a maior honestidade - replicou sentenciosamente J. T. Maston.
- Evidentemente - respondeu Barbicane - Vou, portanto, pedir ao nosso digno secretário para calcular o peso de um canhão de ferro fundido com o comprimento de novecentos pés, com um diâmetro de interior de nove pés e com paredes de seis pés de espessura.
- Imediatamente - respondeu J. T. Maston.
E como tinha feito na véspera, alinhou as suas fórmulas com uma maravilhosa facilidade, dizendo ao fim de um minuto que esse canhão pesaria sessenta e oito mil e quarenta toneladas.
- E a dois centos a libra (dez cêntimos), custará exatamente?...
- Dois milhões quinhentos e dez mil e setecentos dólares.
J. T. Maston, o major e o general olharam Barbicane com um ar inquieto.
- Pois bem, senhores - disse o presidente - repetir-lhes-ei o que ontem lhes disse: estejam tranquilos, que os milhões não nos faltarão!
Com esta garantia do presidente, a comissão separou-se, depois de ter marcado nova sessão para o dia seguinte.
Restava ainda a questão da pólvora. O público esperava com ansiedade essa última sessão. Dado o volume do projétil e o comprimento do canhão, qual seria a quantidade de pólvora necessária para produzir o impulso? Esse agente terrível, cujos efeitos o homem dominou, ia ser chamado a desempenhar o seu papel em proporções nunca usadas.
Quando no dia seguinte deram início à sessão da comissão, Barbicane deu a palavra ao Major Elphiston, que fora diretor das fábricas de pólvora durante a guerra.
- Meus caros camaradas - disse aquele distinto químico - vou começar por citar números irrecusáveis, que nos servirão de base aos nossos cálculos. A bala de vinte e quatro, de que nos falava anteontem o estimado J. T. Maston em termos tão poéticos, sai da boca de fogo impelida apenas por dezesseis libras de pólvora.
- Está certo desse número? - perguntou Barbicane.
- Absolutamente certo - respondeu o major - O canhão de Armstrong utiliza apenas setenta e cinco libras de pólvora para um projétil de oitocentas libras de peso, e o columbiad de Rodman só gasta cento e sessenta libras de pólvora para enviar a sua bala de meia tonelada a seis milhas de distância. Estes fatos não podem ser postos em dúvida, pois eu próprio os fui tirar das atas da comissão de artilharia.
- Perfeitamente - respondeu o general.
- Pois bem! - replicou o major - A lição a tirar destes números é que a quantidade de pólvora não aumenta na proporção do peso da bala: realmente, são necessárias dezesseis libras de pólvora para uma bala de vinte e quatro; em outros termos, se, nos canhões vulgares, se utiliza uma quantidade de pólvora equivalente a dois terços do peso do projétil, a proporcionalidade não é constante. Façam os cálculos e verão que, para uma bala de meia tonelada, em vez de trezentas e trinta e três libras de pólvora, essa quantidade foi reduzida para cento e sessenta libras apenas.
- Aonde quer chegar? - perguntou o presidente.
- Se quer levar a sua teoria ao extremo, meu caro major - disse J. T. Maston -,chegará à conclusão de que, quando a sua bala for suficientemente pesada, não precisará de pólvora alguma!
- O meu amigo Maston é um brincalhão até com as coisas sérias - replicou o major - mas que se tranquilize; proporei até quantidades de pólvora que lisonjearão o seu amor próprio de artilheiro. No entanto, quero observar que, durante a guerra, e para os canhões maiores, o peso da pólvora foi reduzido, após várias experiências, a um décimo da bala.
- Nada mais exato - disse Morgan. - Mas antes de decidir a quantidade de pólvora necessária para dar o impulso, penso que é bom ter conhecimentos sobre a sua natureza.
- Utilizaremos a pólvora de grãos grossos - respondeu o major - porque a sua combustão é mais rápida do que a da pólvora tradicional.
- Sem dúvida - replicou Morgan - mas é altamente explosiva e ao fim de algum tempo acaba por alterar a alma das peças.
- Bom! Aquilo que seria um inconveniente para um canhão destinado a prestar longos serviços, não o é para o nosso columbiad. Não corremos qualquer perigo de explosão. O que é preciso é que a pólvora se inflame instantaneamente, para que o seu efeito mecânico seja completo.
- Poder-se-ia - observou J. T. Maston - abrir vários buracos de maneira a chegar-lhe o fogo em diversos pontos ao mesmo tempo.
- Sem dúvida - respondeu Elphiston - mas isso tornaria a manobra mais difícil. Prefiro, portanto, a minha bombardeira, que evita essas dificuldades.
- Que assim seja - respondeu o general.
- Para carregar o columbiad - continuou o major - Rodman utilizava uma pólvora de grãos grandes como castanhas, feita com carvão de salgueiro mal torrado em caldeiras de ferro fundido. Essa pólvora era dura e brilhante, não deixava quaisquer sinais na mão, continha em grande proporção oxigênio e hidrogênio, ardia instantaneamente e, apesar de ser altamente explosiva, não deteriorava sensivelmente as bocas de fogo.
- Pois bem! - disse J. T. Maston - Acho que não devemos hesitar mais, pois a nossa escolha está feita.
- A não ser que prefira ouro pulverizado - replicou o major, rindo, o que lhe valeu um gesto ameaçador do seu suscetível amigo.
Até então, Barbicane tinha-se mantido fora da discussão. Deixava os seus colegas falarem e escutava-os. Era evidente que tinha a sua idéia. Contentou-se simplesmente em dizer:
- Então, meus caros amigos: que porção de pólvora propõem?
Os três membros do Clube do Canhão entreolharam-se por instantes.
- Duzentas mil libras - disse por fim Morgan.
- Quinhentas mil - replicou o major.
- Oitocentas mil! - exclamou J. T . Maston.
Dessa vez, Elphiston não ousou acusar o seu colega de ser exagerado. Realmente, tratava-se de enviar até a Lua um projétil com o peso de vinte mil libras, dando-lhe uma velocidade inicial de doze mil jardas por segundo. Um momento de silêncio seguiu-se à tripla proposta feita pelos membros do clube. Esse silêncio foi finalmente quebrado pelo presidente Barbicane:
- Meus estimados camaradas - disse com voz calma - Parto do princípio de que a resistência do nosso canhão, construído nas condições requeridas, é ilimitada. Vou, portanto, surpreender o estimável Maston dizendo-lhe que foi tímido nos seus cálculos, e proponho que duplique as suas oitocentas mil libras de pólvora.
- Um milhão e seiscentas mil libras de pólvora - exclamou J. T. Maston, saltando na cadeira - Isto mesmo.
- Mas nessa altura será preciso pensar no meu canhão de meia milha de comprimento.
- É evidente - disse o major.
- Um milhão e seiscentas mil libras de pólvora - continuou Maston - ocuparão um espaço de cerca de vinte e dois mil pés cúbicos; ora, como o vosso canhão só tem capacidade para cinqüenta e quatro mil pés cúbicos, ficará semi cheio, e a sua parte interior não será suficientemente longa para que a expansão dos gases imprima ao projétil um impulso suficiente.
Não havia nada a dizer: J. T. Maston dizia a verdade. Ficaram à espera da resposta de Barbicane
- No entanto - replicou o presidente - continuo a achar necessária essa quantidade de pólvora. Pensem bem: um milhão e seiscentas mil libras de pólvora provocarão o aparecimento de seis milhares de milhões de litros de gás. Seis milhares de milhões! Percebem bem?
- Mas então como devemos proceder? - inquiriu o general.
- É muito simples; é preciso reduzir essa enorme quantidade de pólvora, conservando-lhe essa potência mecânica.
- Bom, mas por que meio?
- Vou dizer-lhe - respondeu simplesmente Barbicane. Os seus interlocutores devoravam-no com os olhos.
- Nada mais fácil, realmente - respondeu por fim Barbicane - do que reduzir essa quantidade de pólvora a um volume quatro vezes menor. Todos conhecem essa curiosa matéria que constitui os tecidos elementares dos vegetais, e que se chama celulose.
- Ah! - exclamou o major - compreendo-o, meu caro Barbicane.
- Essa matéria - disse o presidente - obtém-se no estado de pureza perfeita em diversos corpos, e sobretudo do algodão, que não é mais do que a penugem das sementes do algodoeiro. Ora, o algodão, combinado com o ácido azótico a frio, transforma-se numa substância eminentemente insolúvel, eminentemente combustível, eminentemente explosiva. Há alguns anos, em 1832, um químico francês, Braconnot, descobriu essa substância, à qual chamou xiloidina. Em 1838, outro francês, Pelouze, estudou as diversas propriedades dessa substância, e, por fim, em 1846, Schonbein, professor de química em Basiléia, a propôs como pólvora para a guerra. Essa pólvora é o algodão azótico...
- Ou piróxilo - respondeu Elphiston.
- Ou o algodão-pólvora - replicou Morgan.
- Não há então nenhum nome americano a pôr por baixo dessa descoberta? - exclamou J. T. Maston, impelido por um vivo sentimento de amor próprio nacional.
- Infelizmente, não há nenhum - respondeu o major.
- No entanto, para satisfazer Maston - continuou o presidente - dir-lhe-ei que os trabalhos de um dos nossos concidadãos podem ser ligados ao estudo da celulose, pois o colódio, que é um dos principais agentes da fotografia, é simplesmente piróxilo dissolvido em éter misturado com álcool, e foi descoberto por Maynard, que nessa altura era estudante de Medicina em Boston
- Um viva por Maynard e pelo algodão-pólvora! - exclamou então o barulhento secretário do Clube do Canhão.
- Mas, voltando ao piróxilo - disse Barbicane - Conhecem as suas propriedades, que o tornam tão precioso para nós; prepara-se com a maior das facilidades; mergulha-se o algodão em ácido azófico fumegante, durante quinze minutos, depois lava-se em muita água, seca-se e está pronto.
- Nada mais simples, realmente - anuiu Morgan.
- Além disso, o piróxilo é inalterável pela umidade, qualidade preciosa a nosso ver, pois serão necessários vários dias para carregar o canhão; é inflamável a cento e setenta graus centígrados, em vez de duzentos e quarenta, e a sua deflagração é tão rápida que pode ser inflamado com pólvora vulgar sem que esta tenha tempo de se incendiar.
- Perfeito! - exclamou o major.
- No, entanto, é mais caro!
- Que importa? - opinou J. T. Maston.
- Finalmente, comunica aos projéteis uma velocidade quatro vezes superior à da pólvora. Acrescentarei mesmo que se lhe misturarmos oito décimos do seu peso de nitrato de potássio; a sua potência será ainda aumentada numa grande proporção.
- Isso será necessário? - perguntou o major.
- Creio que não - respondeu Barbicane - Assim, em vez de um milhão e seiscentas mil libras de pólvora, precisaremos apenas de quatrocentas mil libras de algodão-pólvora, e, como se pode sem perigo comprimir quinhentas libras de algodão em vinte e sete pés cúbicos, essa matéria não ocupará senão uma altura de vinte toesas no nosso columbiad.
- Desse modo, a bala terá de percorrer mais de setecentos pés do cano de canhão, sob o esforço de seis milhões de litros de gás, antes de levantar voo para o astro da noite.
Nessa altura, J. T. Maston não pode conter a sua emoção; lançou-se nos braços do seu amigo com a violência de um projétil e tê-lo-ia atirado abaixo se Barbicane não fosse construído à prova de bomba.
Esse incidente encerrou a terceira sessão da comissão. Barbicane e os seus audaciosos colegas, aos quais nada parecia impossível, acabavam de resolver a questão tão complexa do projétil, do canhão e da pólvora. O plano deles estava preparado. Restava apenas executá-lo.
- Um simples pormenor, uma bagatela - dizia J. T. Maston
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